Renan Portela: Cultura do cancelamento?

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A famigerada cultura do cancelamento, tão popular nas redes sociais, funciona como uma arma apontada para a reputação de qualquer pessoa com alguma influência. Exércitos ideologicamente armados de soberba e sentimento de pertencimento ao bando estão prontos para destruir qualquer um que não seja perfeito. Sim, eles possuem bastante tempo pra isso!

Um dos aspectos mais interessantes da cultura do cancelamento é sua elasticidade. O que quero dizer com isso? Quero dizer que não estamos falando em “cancelar” pessoas que cometeram crimes terríveis ou erros imperdoáveis. Estamos falando de uma turma “evoluída” que vestiu a carapuça de fiscais de comportamento, multando qualquer um que pise fora do que entendem ser os trilhos aceitáveis de um progressismo frágil que precisa constantemente se afirmar, e que não consegue lidar com nada que afete sua zona de conforto.

Nada muito diferente da brega “patrulha do politicamente correto” tão em destaque na última década e tão distante dos interesses reais das pessoas e de uma democracia de fato. Na verdade, talvez sejam até a mesma coisa, só que com a criação de uma hastag.

Cabe aqui constatar que, embora o politicamente correto faça mais barulho e tenha origens nas alas progressistas e nas militâncias virtuais de esquerda, não é um fenômeno incomum de se ver em bandos de conservadores e militâncias virtuais de direita, mesmo que em menor número aparente. Até porque autoritarismo, dramaticidade e sentimento de rebanho não escolhem lado. A tal direita que acusava a esquerda de politicamente correta, é a primeira a ser mimizenta de maneira absolutamente brega diante de piadas com o tosco presidente da república, com religião, com manifestações artísticas e afins. O desejo de cagar regra é universal, garanto!

Outro fator importante é a necessidade de publicidade. Apenas bloquear alguém que você não curte? Muito pouco! O que os adeptos da Cultura do Cancelamento querem é tentar amenizar a própria insignificância dentro do reconhecimento de um coletivo, numa autopromoção de virtudes, de pessoas absolutamente perfeitas e inteligentes no ambiente virtual, os populares da escola, que nunca foram tão frágeis, mas que garantem que querem e vão mudar o mundo. Não é difícil perceber o perfil adolescente nesse tipo de manifestação. Sabe quando o adolescente está na fase de não saber dialogar, mas saber bater a porta? É a mesma coisa! Com o agravante de que vivemos uma era de infantilidade que não se define somente pela idade.

Outra coisa curiosa de se observar é a importância que marcas e artistas (entre outros) costumam dar para esse tipo de manifestação coletiva controladora. É como se vivêssemos num mundo em que essas pessoas precisam se controlar o dia inteiro para não pisar fora dos trilhos, conservando assim um universo de redes sociais cada vez mais uniformizado e falso. Será que deveriam ser tão submissos? Não vejo motivos para suplicar atenção para quem te impõe uma vida na corda bamba.

Não significa que não podemos errar e reconhecer nossos erros, ouvir críticas e reavaliar nossos pensamentos e comportamentos. Porém, precisamos separar o que são críticas válidas do que são apedrejamentos públicos que carregam exigências, como se seus apedrejadores fossem autoridades dotadas de alguma moral universal. Não deveríamos dar tanto poder e importância para esse tipo de ataque de pelanca problematizador em bando, até porque no mundo real, onde pessoas adultas sentam para conversar, elas de fato são insignificantes.

Mas infelizmente até a própria mídia costuma dar palanques para esse tipo de coisa, vibrando quando cantora X ou Influenciador Y são “cancelados” no Twitter porque, sei lá, Joãozinho postou uma foto comendo enquanto tem gente que passa fome ou Mariazinha estava sensual demais vestida de alguma coisa que não deveria ser sexualizada jamais.

A Cultura do Cancelamento, assim como toda expressão do Politicamente Correto que se apresenta em grupo para o grande público, é violenta e parte da tentativa de holofotes para si mesmo e de um alvo na testa de outro. Numa sociedade que dá mais valor pro marketing de virtudes pessoais do que pra autocrítica, não me parece surpreendente.

Além do caráter puritano e autoritário tão conhecido do Politicamente Correto contemporâneo, também carrega em seu íntimo um dos maiores perigos já vistos na história humana: o tirano que acredita fielmente que todas as suas ações são justificadas pelo que ele mesmo considera ser melhorar o mundo e agir por um “bem maior”!

Salve-se quem puder no país da perfeição!

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