Carta de despedida para você, meu querido Jimy Raw, por Gabriel Gontijo

0

* Por Gabriel Gontijo

“Ele chegou agora para alegrar/
É o seu amigo que veio comunicar/
Jimy Ray/
Jimy Raw/
Hey, ele é do bem/
Vai levantar o seu astral/
É a voz que veio tocar o seu coração/
Hey, ele é do bem/
Vai levantar o seu astral/
É a voz que veio tocar o seu coração”
Quem leu o verso acima certamente o fez cantando a música de abertura. Não tem como não se lembrar. Muito menos deixar de se emocionar.

É Jimy… Tá difícil imaginar tua perda. Tivemos alguns encontros quando era escalado nos plantões da noite de sábado ou nas primeiras horas de domingo. Mas antes disso tivemos um encontro como fã que eu era com a referência que você sempre foi. Isso aconteceu em 2010. Na ocasião houve um festa de aniversário pelos 75 anos da Super Rádio Tupi e a festividade foi na Cidade do Samba, próximo da antiga sede da emissora, então localizada na Rua do Livramento, no Santo Crito, na Zona Portuária.

Ali, muitos ouvintes se aglomeravam pedindo uma foto ou um autógrafo (sim, tinha gente que pedia isso, rsrsrs) e entre tantos radialistas ali três me deram muita atenção e acabaram se tornando amigos até hoje. Falo de Garcia Duarte e Fred D’Amato, duas pessoas incríveis que já tentaram me ajudar dando oportunidade ou fazendo ponte para conseguir uma chance no meio. Mas perceberam que não citei uma? Pois é, esta pessoa não citada foi justamente o próprio Jimy.

Lembro-me como se fosse hoje. Estava cansado pelas horas em cima do palco e, segundo o próprio me disse na ocasião, tinha “almoçado” apenas um croissant. Mesmo assim foi atencioso com todos que o cercavam. Sem exceção.

E um certo alguém estava ao seu redor. Era um jovem de 22 anos, com barba por fazer que pediu pra tirar uma foto com um celular. Chamava-se Gabriel Gontijo. É bom lembrar que na época não existiam selfies e redes sociais como o Facebook engatinhavam. O boom foi o Twitter e o Orkut estava começando a se tornar ultrapassado. Mas voltando a falar desse primeiro encontro, lembro-me que pedi pra tocar um pouco mais de Tom Jobim. Ao me despedir, ele fixou o olhar em mim, ergueu a mão se despedindo e disse: “Não esqueci não! Deixa comigo que vou tocar Tom Jobim!”.

Quatro anos depois entrei para a Super Rádio Tupi como estagiário. Peguei os últimos dias da Rua do Livramento e o início da Rua Fonseca Telles, no “bairro imperial de São Cristóvão” como até hoje é falado ao final do Sentinelas da Tupi, tradicional noticiário da rádio. Pois bem, quando fiz o primeiro plantão da madrugada, no início de julho de 2014, tive a oportunidade de reencontrá-lo e disse que era muito fã do trabalho dele. Ele me agradeceu com um sorriso sincero e ali a amizade estava feita.

Inicialmente não quis falar do encontro ocorrido em 2010, mas ele me disse que “eu estou conhecendo você de algum lugar”. Daí falei do encontro e mostrei a foto, que por sorte estava no meu cartão de memória, pois já tinha trocado de aparelho. Ele viu e de algum jeito se lembrou. Jimy disse “você não me pediu pra tocar Vinícius de Moraes ou algum outro cantor do tipo? Lembro que era Bossa Nova”. Fiquei surpreso como ele conseguiu se lembrar com detalhes de algo que aconteceu há quatro anos e estando eu no meio de uma multidão. E aí a amizade só se estreitou.

Conversar com Jimy era gargalhada na certa. Um cara divertídissimo. Humilde e companheiro. Mesmo com toda a carreira dele marcada pelos áureos tempos da 98 FM e da passagem consagrada como apresentador do Globo de Ouro, da TV Globo, ele nunca dizia coisas se colocando em um oratório. Pelo contrário, adorava contar histórias. Gostava de dizer que era muito grato a Deus por estar vivo, pois teve uma juventude “muito louca. Aprontava de tudo”. E nos brindava com curiosidades engraçadíssimas de bastidores, tanto as que testemunhou quanto as que protagonizou direta ou indiretamente.

A minha passagem pela emissora estava perto do fim e eu percebia um claro processo de fritura por gente que nem vale a pena aqui dizer. E eu desabafava com ele. E Jimy era muito solidário. Aliás, ele quase tomou a frente de uma situação para me ajudar. Se não peço para ele desistir, o próprio teria feito o que pudesse para me ajudar. Falando nisso, certa vez ele me chamou num canto pouco antes de começar o programa.

Estranhei, pois ele não era muito de fazer isso.
– Gontijo, vem cá – me chamou num canto no refeitório.
– Fala Jimy! Aconteceu alguma coisa?
– Não, nada. É que eu queria saber se você tem muita nota pra falar ao vivo.
– Olha, a gente começou o plantão agora. Mas quem passou o comando disse que hoje estava fraco de notícia.
– Cara, pega tudo o que você tiver que pegar. Tudo mesmo. Quero dar chance pra você entrar ao vivo.

Esse era Jimy Raw. Pouco tempo depois, desabafei sobre uma tremenda covardia que um dos meus chefes me fez em relação a uma matéria que tinha muita vontade em fazer. Nem que fosse para meu nome constar na reportagem. Para a minha surpresa, ele colocou a matéria no ar, elogiou a reportagem e disse ao vivo de forma espontânea:
“Que matéria linda, que contou com o trabalho nos bastidores do nosso Gabriel Gontijo!”

Morre o radialista Jimmy Raw, vítima da Covid-19

Fiz questão de agradecê-lo de forma muito emocionada. Apenas dois dias depois desse gento lindo fui comunicado sobre o fim do meu contrato de estágio e a não renovação dele. O tempo passou, fui para outras áreas e voltei para a caixinha em 2016, quando apresentei um programa na Rádio Fluminense 540 AM em Niterói-RJ.

O reencontrei semanas após a sua injusta dispensa. O local foi na Escola de Rádio (veja só! O local onde fiz meu curso de locução e consegui o registro profissional), que à época ficava no Catete. Ele, Glória Britho, Francisco Barbosa, Ricardo Alexandre, Coelho Lima e Sérgio Américo formavam um projeto que se iniciava ali, a Turma do Rádio. Ele me deu um abraço caloroso e muito forte (confesso que nesse momento lágrimas escorrem pelo meu rosto ao recordar esta cena).

Continuamos trocando algumas ideias de forma esporádica até saber que ele, infelizmente, pegou a Covid-19. Procurei saber como ele estava. E quando soube que a situação se agravou acionei o máximo de contatos que tinha para tentar ajudá-lo. Felizmente até aquele momento, ele conseguiu uma internação no Hospital Ronaldo Gazolla, em Acari, na Zona Norte do Rio. Poucos dias depois, saiu do CTI e foi para a enfermaria. O vídeo dele sendo aplaudido pelos enfermeiros era tocante e ao mesmo animador.

Mas….
Infelizmente esse “mas” não foi bom. Foi péssimo. Tornou-se responsável pela piora da saúde e terminou com o falecimento dele aos 59 anos de vida.

É amigo… Você se foi…

O rádio perdeu um brilhante comunicador. A televisão deixou de ter um carismático apresentador. Inúmeros radialistas perderam um querido colega e um grande amigo. E eu perdi um conselheiro, um parceiro, alguém que fazia meus plantões serem muito divertidos.

Pensei que deveria encerrar esta carta para você de um jeito diferente, porém admito que não sabia como. Felizmente, graças ao querido amigo Eduardo Sander, ele me deu um presente que passo para você e a todos que são teus fãs. Vamos relembrar o último programa que você apresentou na Tupi, o Baú da Tupi. A edição é de 24 de julho de 2016. O curioso é que nesse programa você comenta com alegria que estaria perto de completar dez anos como contratado com carneira assinada.

Infelizmente o “estaria” não chegou a se concretizar, já que te demitiram poucos dias antes de fechar o ciclo de uma década. Mas prefiro não tecer comentários dessa decisão que a direção tomou à época. Prefiro focar nas lembranças. Detalhe para a participação da queridíssima Glória Britho, que foi uma das dezenas de pessoas demitidas naquele momento e até hoje buscam respostas para isso. Porém como disse, o papo aqui é lembrança.

Amigo, essa é pra você. Saudades…

Gabriel Gontijo é jornalista e radialista. É de Niterói e passou pelas Rádios Tupi e Fluminense e foi um dos criadores da Rádio Mais Esportes e do site Eu,Rio. Atualmente trabalha como assessor de imprensa.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.