“É preciso se reinventar o tempo inteiro”, diz Fábio Ramalho em entrevista ao GAZETA

0

É sempre bom falar de jornalismo e melhor ainda falar com quem entende e com quem vive a profissão diariamente. Fábio Ramalho é um exemplo típico. Do jornalismo tradicional a interação com o público foram mais de vinte anos numa caminhada que começou na TV Nacional, passando pela TV Brasília, afiliada da Manchete e Rede TV e depois indo para a Record chegando a sair e voltar em 2015.

Em entrevista exclusiva ao Gazeta, Fábio falou de sua carreira, dos novos quadros no Balanço Geral RJ e de como vê o jornalismo hoje em dia.

Confira

Fábio, o que é o jornalismo pra você e o que fez você decidir entrar na profissão?
>
> Se essa pergunta fosse feita há 10 anos certamente a resposta seria outra. Primeiramente eu te responderia o maior clichê de todos: que jornalismo significa informar as pessoas, fazer prestação do serviço. Não está errado. Mas hoje penso um pouco “além da curva”. Acho que o jornalismo também virou uma forma muito interessante de entreter. Ou seja, você pode informar às pessoas sendo divertido. Acho que essa é a grande pegada quando você migra do jornalismo factual para o entretenimento, seja em uma emissora de televisão, no rádio, na internet ou mesmo nas redes sociais. Hoje eu diria que o meu jornalismo é discutir os assuntos do dia-a-dia das pessoas mas sem parecer que estão sendo discutidos.
>
> – Qual foi a cobertura ou momento mais importante da sua carreira?
>
> Foram vários momentos marcantes da minha carreira. Cobri desde posses presidenciais até tragédias naturais (em algumas situações as duas cosias até parecem sinônimos). Mas coleciono também situações bastante marcantes no entretenimento. Na verdade, as mais marcantes mesmo, foram neste “lado da moeda” que eu estou hoje. Se você me perguntar qual foi a reportagem mais marcante vou responder, sem dúvida alguma, que foi quando subi no alto do Cristo Redentor no Rio de Janeiro. Ter estado na cabeça da deste símbolo da cidade maravilhosa para comemoração de um dos aniversários do monumento, foi algo pra nunca mais esquecer.
>
> Você é de Brasília mas já passou por São Paulo e pelo Rio. Existe alguma diferença no jornalismo dessas cidades e na forma de cobrir os lugares?
>
> A forma de cobrir o jornalismo é muito parecida porque segue um tipo de padrão. Na verdade a diferença quem faz é você independentemente do tema. Meu estilo irreverente – e quase sarcástico – de lidar com alguns assuntos vem desde minha época de política em Brasília. Nunca consegui trabalhar uma matéria política dentro do Congresso Nacional apenas. Sempre tentava levar o assunto para fora das duas cúpulas. Falar de orçamento me levava a uma padaria para mostrar como era feita divisão da massa do pão. Falar de coligações de partidos políticos me levava a um trem fantasma para falar de alianças partidárias “sem cabeça”. E por aí vai…

Foi assim mesmo quando começou na TV Nacional? Como foi essa experiência?
>
> Não. No começo, na antiga TV Nacional, aprendi o que era fazer um jornalismo político clássico, para uma empresa estatal. Confesso que aprender como era feito o “arroz com feijão” do jornalismo me deu ginga para aprender depois a elaborar a cereja do bolo. Comparações e trocadilhos à parte, é bem isso mesmo: você tem que entender como funciona o básico para a partir daí diversificar o seu cardápio.
>
> E aí você foi para a TV Brasília, Rede TV, como foi?
>
> Sempre digo que jornalista quem indica um é sempre o dedo do outro. Essa aptidão que eu descobri que tinha para televisão – e que nem eu mesmo sabia existir – foi rapidamente notado também por outras pessoas. Isso me deixou feliz porque selou que não era apenas uma vontade minha. A minha carreira ganhava um endosso de profissionais mais tarimbados que me indicaram para outras trabalhos. Quando surgiu uma vaga de repórter na TV Brasília, que era antiga TV Manchete, hoje Rede TV, fui correndo aceitar a oferta. E me lembro bem que quando isso aconteceu eu não era nem formado ainda! Ainda era estagiário na TV Nacional.
>
> E para a Record? Como foi essa transição?
>
> Foi seguindo mais ou menos o mesmo caminho: alguém que trabalhou comigo na TV Brasília me disse a Record estava montando sua equipe do FALA BRASIL, jornalístico matutino da Record, em Brasília. Eu já era apresentador da TV Brasília e o que eles procuravam era um produtor. Mesmo sabendo que seriam dois passos para trás, aceitei o desafio. Eu já começava a ficar mais “cascudo” na profissão, e já vislumbrava que poderia haver uma grande possibilidade de crescimento da Record. O mercado não falava de outra coisa nos idos de 2001.
>
> Você acompanhou uma época de crescimento da Record no jornalismo. O que você vê da Record de quando você chegou e hoje?
>
> A Record é uma emissora que está sempre em movimento, não se contenta em ficar parada. Acho que foi por isso que cresci dentro dela. A emissora nunca virou as costas para novos formatos ou “ousadias” de seus jornalistas. Mas a melhor pergunta mesmo seria o que eu vi mudar nas OUTRAS emissoras. A Record começou a caminhar para o jornalismo leve, sem “gesso”. Enquanto os apresentadores das emissoras rivais continuavam no terno e gravata, nas bancadas, a Record já partia para cenários diferenciados, com apresentadores de pé, até mesmo já sem a gravata. Nessa época eu me fiz dentro da Record.
>
> E essa diferença especificamente no Rio?
>
> Eu vim para o Rio de Janeiro justamente com essa responsabilidade: aplicar esta mudança na capital fluminense. O Rio de Janeiro ainda tinha um jornalismo “três por quatro”, de bancada na maioria dos seus produtos jornalísticos. Quando eu vim a direção foi bem clara para quebrar esse paradigma. Nada mal para um jornalista que, como eu, que já tinha dado sinais de que estava esgotado de política e economia na capital federal. Foi aí que comecei a caminhar no estúdio, a me soltar da bancada, apontar para o telão, conversar com o telespectador. Muito inclusive do que o Wagner Montes já fazia na época. EA Record queria unificar, nivelar para este formato. Assinei meu primeiro contrato com a Record Rio justamente nesta premissa.
>
> O que mudou em você como jornalista e como pessoa nesse tempo pra cá?
>
> Eu aprendi que as pessoas precisam ver na televisão alguém que faça mais que ler o teleprompter. Alguém que soubesse dar opinião mas sem um ar professoral. Ninguém quer alguém arrogante, parecendo saber mais que todos na televisão. Comecei a conversar com telespectador, confirmar informações ao vivo, em tempo real e a pedir um feedback do que eu estava mostrando. Foi um marco de entrada inclusive das redes sociais no jornalismo. Estamos falando aí de 2005 quando quem imperava era apenas o Twitter.
>
> Você apresentou o Ressoar, a Operação do bem e o chamada de esperança mexendo com o lado social. Como essas experiências mudaram a sua vida?

> Mudaram completamente! O melhor exemplo é o “Operação do Bem” que mesmo depois de sair do ar se tornou um projeto social. A ideia na verdade começou com o quadro que fazia no programa da tarde. Ele se chamava “Chamada de esperança” e mostrava pessoas que faziam o bem em projetos sociais. A ideia deu tão certo em São Paulo que apresentei outra versão para o Rio de Janeiro com o nome de “Operação do Bem“. De pronto a direção de jornalismo aprovou e comecei a mostrar pessoas que também faziam o bem mas que, neste caso, nem sabiam que uma ONG significava! Quando sai da Record em 2015 – houve um enxugamento na empresa – percebi que o grande volume de doações que as instituições recebiam acabavam sendo perdidas. Ninguém doava tanta coisa com validade tão larga. Foi aí que procurei fazer a chamada troca de excedente. De instituição em instituição começamos a distribuir e fazer uma troca social. Não precisa nem diz que o projeto se estendeu e hoje nossa Operação do Bem atinge 11 instituições filantrópicas entre Rio, São Paulo, em Brasília. O nosso maior foco é no Rio de Janeiro. Mas costumo dizer que a mudança não é apenas social. É espiritual! Quando você ajuda é Incrível como as coisas na sua vida melhoram. É como se cada real que eu ganhava antes valesse apenas um real. Hoje é como se cada um real valesse três! Não sei explicar. É incrível dizer isso, mas Deus faz seu dinheiro se multiplicar! Sem contar os amigos que fazemos do bem. Nosso projeto hoje tem até uma modelo especial que participa de diversos eventos para falar de inclusão.
>
> – Porque voltar para a RecordTV?
>
> Isso também teve a ver com o “Operação do Bem”! Pro conta do quadro fui fazer um
> curso de gestão em terceiro setor no exterior. Voltar à emissora não foi apenas uma “escolha”. Foi uma atração mútua. Acho que existe muito de uma história de DNA. Quando comecei a produzir vídeos para o meu canal de YouTube, com temas relacionados a turismo, no exterior, logo fui parar na volta ao Brasil dentro da Rocinha, uma das maiores comunidades da América latina e do mundo! Lá fiz amigos, e gravei um documentário em quatro episódios que conquistou até um prêmio de cinema. Mas esqueça tudo o que você conhece como “documentário”. São capítulos soltos e divertidos (com o celular) que já era o #partiu que vemos hoje na TV. Esse foi o chamariz que a Record precisava: ela sempre teve a premissa de mostrar o povo carioca na televisão. O convite rolou e o namoro começou de novo. Como a vida é cíclica, não é mesmo?
>
>
> E como está sendo esta experiencia do #Partiu até agora? Foi o primeiro quando mesmo na TV gravado com celular?
>
> Eu não inventei a roda. Já não era muito difícil ver intervenções na televisão onde o celular entrava em cena. Entretanto este formato era quase que exclusivo de imagens feitas por amadores, câmeras escondidas. O que o novo quadro se propôs, na época, foi a criar uma linguagem totalmente inusitada para se gravar com o aparelho portátil. Muita gente até hoje ainda me pergunta se não usamos câmeras profissionais em miniatura. A resposta é sempre a mesma: não! Tudo é feito exatamente com o celular. Usar um smartphone para gravar é andar no fio da navalha. Se for malfeito fica parecendo pobreza técnica, falta de estrutura. Entretanto, se bem trabalhado no estilo e na edição com roteiro caprichado, aí vira vanguarda. E acho que foi isso que o quadro conquistou. Além do prêmio de cinema, quando ainda estava no YouTube, ganhamos mais três prêmios por inovação tecnológica.
>
> E agora tem um filho mais novo, né? Seu novo quadro, o “Achamos no Rio” tem sido bem aceito pela popularidade e pela sua abordagem. De onde vem tudo isso?
>
> Não resta dúvida que o Rio de Janeiro é cheio de figuraças, né? O “Achamos no Rio” mostra isso: o carioca para o carioca. E pra minha surpresa todo mundo conhece alguém que faz algo diferente ou inusitado. Em uma das próximas edições vou contar a história de um pipoqueiro que resolveu criar uma forma inusitada de trabalhar: a cada dia ele vai vestido de um personagem diferente. Você um dia pode comprar pipoca de Elvis Presley, no outro comprar da Madonna e até, se der sorte, comprar uma saquinho de pipoca da Lady Gaga! O cara é a literalmente uma figura. Acho que são esses personagens que dão um tempero, molho todo especial, ao Rio de Janeiro. Numa cidade com tantas mazelas é interessante descobrir e mostrar as pessoas que nos fazem sorrir.
>
> Como você o jornalismo hoje com todas as mudanças feitas e com a crise?
>
> Acho que nem precisava da crise para mudar. A crise foi apenas o catalisador. O jornalismo vem sofrendo mudanças paulatinamente, e não é por causa dos sites de notícias “engolirem” os jornais, a televisão como se pensava. É por causa das redes sociais. Tudo “culpa” delas. Hoje todo mundo pode virar repórter de alguma forma. É claro que não se dá pra acreditar em tudo, por isso se cultiva tanto a apuração e o combate às “fake news”. Mas tirando esses problemas, todo mundo reporta alguma coisa, de algum lugar em tempo real o tempo todo! A gente só faz é juntar e peneirar as informações. Quem não se adequar a esta nova realidade – que inclusive já reduziu postos de trabalho e açambarcou verbas que antes iam apenas para publicidade apenas imprensa e de televisão – vai ficar para o passado.
>
> Qual conselho você daria para quem tá começando, quem tá na faculdade e que quer fazer jornalismo?
>
> Vou deixar o conselho que eu sempre dou quando faço palestras para estudantes de jornalismo. Normalmente os professores me amam ou me odeiam porque sou bem direto e verdadeiro: os conceitos estão mudando e o que aprendemos na faculdade pode já não ser mais o que se encontra no mercado quatro anos depois de se passar no vestibular. É tudo MUITO rápido. É preciso se reinventar o tempo inteiro. Eu me reinventar ei com a gravação via celular. E quem está formando agora? Virá com que ideias? Por isso que batizei a minha palestra de “ apertem os cintos o emprego sumiu “. Quem não estiver preparado para um mercado que muda à jato, vai ficar apenas voando ao sabor do vento do mercado. E pra ser folha seca ninguém precisa estudar…
>

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.