Por Vera Moll
CIDADE DEVASTADA.
90% DAS CASAS DESTRUIDAS
90% DO COMÉRCIO DESTRUIDO.
Essa é a terrível realidade que assombra Mimoso do Sul, ES. Não teve, porém, força suficiente para sensibilizar o governo federal. Quem a socorreu? O governo estadual, em parte; o município com o esforço desmedido do Prefeito Peter Costa com seu secretários e funcionários em desvantagem na luta perante a catástrofe para atender os todos pedidos de socorro da população. Mais de cem ligações. Em vídeo, ele chora, meu pai, Saul, está na água com seu barco, pede aqueles que possuem a embarcação que ajudem nos salvamentos.
O jovem prefeito de 34 anos, continua se esforçando para fazer frente à tragédia que castigou impiedosamente à cidade. A natureza não possuiu misericórdia em seus impulsos de destruição. Ele, porém, mantém laços de amizade e bom relacionamento com as cidades vizinhas que, comovidas, enviaram os recursos que possuem: suas máquinas e as pessoas para operá-las. Caminhões, escadeiras, retroescavadeiras e patrol para tirar a lama. Doaram alimentos, marmitas pronta. Quase todos os municípios do estado do ES estiveram presente na luta insana para ajudar à população a sobreviver à terrível catástrofe.
Uma dona de casa escreve em letra vermelha SOS VOLUNTÁRIOS. Ela precisa desse maquinário do Mutirão para tirar o barro do seu quintal que tem por volta de 1200m2 e está tomado pela lama à altura do joelho, impossibilitando que se retorne à casa. E por ele passa uma manilha que está destruída e muitas casas da redondeza depende desse fluxo de água. A acredito que a ajuda que ela pede está chegando com esse mutirão. Boa
sorte, amiga.
Só tomei conhecimento da enchente no sábado pela manhã com a mensagem de Idalina, minha irmã. Ao ver os primeiros vídeos colocados na internet, enlouqueci, a cidade, no entanto, estava incomunicável. Em família todos em busca desesperada de notícias. A primeira que recebi, como já detalhei, veio em mensagem do whatsApp de minha sobrinha Marcela, às 20.21 h do sábado. Benditas palavras. Estamos vivos, tia. O que vi no momento inicial foram os vídeos dos voluntários mostrando as ruas transformadas em rios caudalosos levando os carros e cobrindo a praça e o teto de casas nunca antes afetadas por enchentes.
Foram os voluntários da própria cidade ou amigos de localidades próximas que no primeiro momento, colocaram, com coragem e bravura, seus barcos na enxurrada. Foram eles que ajudaram a população a sair de suas casas e as salvar. Depois vieram os de fora, sós ou em maior número, a pé, de ônibus, de carros. Vieram ao ver os vídeos assustadores. Neles os habitantes pediam ajuda sem que fosse preciso pronunciar palavra ou levantar em brados a voz.
A cidade está destruída, casas e muros caíram, pontes caíram, difícil caminhar por ela, em todo canto se encontra obstáculos que impedem a passagem, procurasse outra saída, novos obstáculos, muita poeira. Devastação. Risco de infecções, os ratos são vistos circulando nas ruas, qualquer machucado pode ser a via de contaminação pela leptospirose. Alguns caso já foram relatados. De toda parte chegam os voluntários, muito bem-vindos. A grande Vitória tem enviado cestas básicas, produtos de higiene, absorventes para as mulheres. As universidades estão enviando seus estudantes em 3 / 4 ônibus para limpeza da cidade e das ruas. A Policia Militar mandou um grupo de aprendizes para ajudar.
O Corpo de Bombeiros participa ativamente nas distribuição de água, marmitas e limpeza das casas. Voluntários de várias cidades veem para ajudar onde for necessário. A COLAMISUL cedeu espaços para o Corpo de Bombeiros se reunir e organizar suas atividades. O comércio de Campos se cotizou e fez doações à cidade.
As Forças Armadas estão presentes na cidade. Alguns caminhões do Exército com tração que podem chegar a lugares ultrapassando barreiras intransponíveis para outros veículos. Grupos da cidade de trilheiros e motoqueiros servem de guia para lugares de difícil acesso. Estou vendo em um vídeo que recebi, um grupo de Gipeiros construindo pontes com árvores caídas para levar socorro às comunidades rurais isoladas. Os bancos: Banestes, Banco do Brasil, Sicoob, Sicredi, Cooperativa de crédito, estão montando contêiner para atendimento pessoal. E têm caixa para saque que podem ser feitos nas agências de Muqui. O Detran e a EDP, companhia de energia elétrica, também montaram contêiner de atendimento. Dois supermercados pequenos e três farmácias estão abertos. Coisas básicas, no geral, falta tudo.
Leonardo Cozendey diz que a reconstrução vai ser muito demorada. Dificuldade de linhas de crédito para o comércio que perdeu 90% de sua capacidade de atuação. Para as casas, prédios comerciais, além da dificuldade de capital, não existe mão de obra suficiente ou material para construção. Tudo será feito aos poucos. Ele que mora próximo ao Salão paroquial, localizado em ponto mais alto, a água atingiu o primeiro andar onde fica se escritório. Ele conseguiu salvar os computadores e instrumentos específicos usados no trabalho. Todo o resto foi perdido, mas não atingiu a casa onde reside a família. Assisti o esforço do pároco em vídeo, em campanha, coordenando e recebendo as doações, falando sobre as necessidade atuais da população. As roupas de vestir recebidas são suficientes, precisa-se de colchões, roupas de cama, água etc. A ressaltar o empenho do deputado federal Evair de Melo. Fez um vídeo mostrando com vagar parte da cidade devastada.
Ajudou com esforço pessoal aos seus habitantes desolados. Nesse momento em que sua participação é apontada, é preciso que seu trabalho se intensifique junto a seus pares na câmara federal. Tia Aylse, mal saída do drama de seu salvamento dramático, já entrou com o pedido de Emendas Parlamentares para a reconstrução da Associação Pestalozzi que ela preside. Sônia Mileipe insiste em emendas parlamentares para direcionar o Programa Minha Casa, Minha Vida na reconstrução de Mimoso. As emendas parlamentares são as verbas destinadas na câmera para o municípios. Lembrem-se, senhores deputados, a situação de Mimoso do Sul é de calamidade pública. Foi declarada como a 3ª maior tragédia ocorrida no país, atrás apenas de Brumadinho e Mariana. Pela sua dimensão cobra a participação efetiva do governo federal que foi consagrado nas urnas e tem compromisso com o povo brasileiro. Os votos foram dados no calor de um Brasil, ainda que dividido, ou até por isso, tomado por intenso sentimento patriótico, a indiferença diante de tão devastadora tragédia fere nossa sensibilidade.
AINDA EXISTE ESPERANÇA
Aqueles que viram de perto o cenário pós enchente, exclamam lamentosamente, Mimoso acabou, Mimoso está destruído. Eu que não presencie o pavoroso cenário de destruição da cidade senão através de vídeos e narrativas, sinto meu coração destroçado, não certamente com o mesmo horror que meus irmãos, que tudo lhes foi e é mostrado frente a seus olhos incrédulos. Deitada na cama à noite fico pensando por horas, Meu Deus, o que nossos avô e nossos pais levaram mais de um século para edificar com seu trabalho, em labuta de dias sem fim, tudo foi reduzido à lama e destroços. Em seu propósito, a boa criação do filhos que seriam cidadãos honestos, educados em colégios como o Monsenhor Elias Tomasi, prédio erguido pela geração de meus pais, doado para o ensino público, onde cursariam o estudo fundamental e, um pouco mais tarde, o Ensino Médio. Alguns com direito a profissão, como o Normal e Contabilidade.
A maioria dos jovens se viu afastada do fantasma do analfabetismo, mas deles muitas não foram poupadas, principalmente mulheres e homens adultos. Como seria se nos víssemos, a essa altura da vida, idosos, sem casa, sem móveis, sem cadeiras para sentar, sem cozinha onde preparar a comida que nos sustenta, sem cama, sem colchão onde descansar o corpo das lidas da vida! Desvalidos! As nossas maiores amigas no serviço da casa como fogão, geladeira, máquina de lavar, todas carregadas ou destroçadas pela enxurrada.
Haveríamos de verter lágrimas de sangue, sem esperança de refazer os bens que construímos, fossem eles da melhor qualidade ou simples e práticos que nos permitisse uma velhice tranquila. A esperança e a fé que levou a construção de nossa amada cidade em lugar agreste, com potencial de servir de guarida e sustento para seus descendentes foi varrida do coração em poucas horas frente a século de trabalho.
A cidade devastada, no dizer da Defesa Civil, não tem mais lugar para a Esperança? Vamos falar primeiro da economia, com a proposição de uma outra ideia, Márcio Fructuoso sugere propor uma isenção fiscal total para o município até 2040, com apenas uma taxa para constituição de um fundo específico para reconstrução da cidade e amparo da população.
Quando estou às voltas com problemas que geram desespero, ou que não sejam de natureza tão terrível, mas enfim problemas que pedem solução, durmo e acordo de madrugada, em geral às 2h e fico pensando por horas fio, e assim foi nessa noite. E o que me ocorreu? A nossa geração também viveu dos sonhos de nossos avôs e pais, parte de nós chegou a universidade que permitiu voos maiores: a medicina, a engenharia, o direito, a pedagogia, a psicologia, a filosofia, as ciências sociais e, mais modernamente, o turismo, a teologia, a informática etc. E ou o ensino técnico com bons empregos na indústria e no comércio. Espero tenhamos dado um passo à frente com a universalização da escola fundamental para jovens e crianças. A longo prazo, Mimoso tem de se reinventar de outra maneira, talvez eu fale isso porque não fui atingida na carne, mas também pelo hábito de criar múltiplas narrativas, algumas lançadas para o futuro. Mimoso tem de construir outros projetos, outros sonhos. Os sobrados de sólida construção, resistentes há anos de ocupação, expostos ao sol, à chuva e às ventanias, poderão ser reformados, mas a cidade perdeu o capital acumulado em séculos, não terá recursos para a reconstrução de sua nobre arquitetura.
Em nome da esperança, as montanhas e morros verdejantes que ladeiam o vale continuam lá incólume, enfeitando e criando um jardim suspenso que poderá embelezar uma nova cidade. E nesse belo panorama natural com que ela terá de contar na sua idealização.
O que me ocorre de início, são projetos culturais, que possam atrair
público e divulgação para a cidade. Darei parcos exemplos, para servir de
inspiração a outros projetos mais factíveis. Penso, há muito tempo, na
criação de um Instituto de Pesquisa Histórica. Em Mimoso e Muqui muitos
se dedicam a essa atividade, mas para ser alavancado, precisa da
participação da prefeitura e do estado, nada que peça recursos
extraordinários. Nele teriam lugar os pesquisadores, cursos ministrados,
debates públicos com participação de intelectuais convidados e uma plateia
com interesse no tema. Sem faltar, claro, as publicações e os prêmios.
Outra ideia que me ocorre é que somos devedores do Cine São José que
nos colocou, eu diria, à uma parte considerável de sua população, como
espectadores do cinema de Hollywood, quando ele produzia bons filmes e,
em menor número, ao melhor que se produzia no mundo e no Brasil.
Talvez um Festival de Cinema, com a exibição paralela do que se produz
no Espírito Santo, vi algumas coisas boas de lá.
Acredito que em nós ficou um gosto pela atuação cênica. Stênio
Garcia é nosso conterrâneo. Esse poderia dar origem a outra atividade com
a participação da esfera pública. Um Festival Nostalgia que recriasse os
costumes usuais dos anos 60 com a programação cinematográfica do Cine
São José: na sexta-feira à noite, sessão para os amantes do cinema, sem
esquecer, por favor, os faroeste. No sábado, sessão Matinê para crianças e
jovens, com filmes de aventura e uma série no final. Delas só me lembro de
Tarzan, o herói da selva. No domingo, às 20 h, a fina diversão para a
sociedade mimosense, com filmes do último lançamento cinematográfico
com as pessoas arrumadas, vestido e salto alto para as mulheres; sapato,
calça e camisa social para os homens. Uma vez terminado a sessão, as
crianças podiam ter direito a um picolé no Jarbas, eu adorava o de coco. O
footing arrefecia na praça, todos seguiam felizes para casa, hora de dormir
para começar amanhã outro dia de trabalho, escola e as intermináveis
tarefas doméstica pra as donas de casa.
A agricultura familiar ou agro negócio, as pesquisas e os
conhecimentos acumulados no setor, podem, a longo prazo, recriar sua
riqueza. As ideias podem ser tolas colocadas no calor do tragédia, mas
estou pensando que a renovação possa acontecer como herança de nosso
patrimônio cultural. Que venham ideias viáveis, projetos, sonhos. São os
sonhos que fazem renascer a esperança no coração dos homens!
Vera Moll é escritora, autora de vários livros, entre eles “Meu adorado Pedro”