Tragédia no Flamengo expõe o melhor e o pior de nós

0

Acordei na manhã de sexta-feira (08) com a minha namorada me cutucando e dizendo que tinha uma noticia ruim. Confesso que até agora estou num estado estranho, meio desnorteado, reflexivo e desanimado.

É como se tivessem tirado-me algo, uma grande parcela de energia vital, que aos poucos vai se recuperando. Ao mesmo tempo me parece um pouco egoísta sentir que me tiraram algo, se comparado ao sentimento de familiares e amigos, e dos próprios meninos, que perderam uma vida inteira, perderam o recorte do sonho que vivenciavam, perderam os trilhos que percorriam com a possibilidade de destinos grandiosos, no futebol ou em outro lugar.

É curioso como nunca nos acostumamos com esse tipo de tragédia, não tem como! E ao mesmo tempo parece que nosso foco tem um prazo de validade e pulamos de assunto pra assunto numa velocidade assombrosa. Também, teria como ser diferente? Afinal, precisamos de alguma maneira de nos defender mentalmente para continuarmos dando sequência à nossa vida, não é? Pode ser a explicação!

Podemos lembrar da Boate Kiss, do acidente com a Chape, do prédio que desabou em SP, de Mariana e Brumadinho, entre inúmeras outras tragédias, algumas até de fora do país que ocorreram recentemente. Porém, focando nessas que estão mais próximas de nós, uma coisa é certa: todas essas tragédias poderiam ser evitadas! Infelizmente somos o país do “por baixo dos pano”, do “jeitinho” e que só pensa nas consequências no momento que nada mais nos sobra além de chorar. Dentro das negligências que nos rodeiam, não existe intenção de matar, mas negligência mata!

É razoável que pulemos de assunto pra assunto e superemos o luto em defesa de nossa própria sanidade, mas seremos (e somos) estúpidos quando esquecemos por completo as nossas tragédias e não as usamos para evitarmos que outras semelhantes aconteçam. Precisamos de mais responsabilidade ao lidar com a vida das pessoas, e isso vai desde o cuidado com a limpeza e os alimentos numa lanchonete, até a fiscalização de grandes obras.

Espero que o Flamengo me dê orgulho como torcedor e chama para si a responsabilidade pelo ocorrido. Quero que meu clube se responsabilize antes mesmo de eventualmente ser responsabilizado. Que faça valer esforços para que nada comparável aconteça novamente, que não meça esforços para cuidar emocional e financeiramente das famílias das vítimas, e que possa servir de exemplo para que outros clubes tenham maior zelo com seus funcionários e atletas de todas as categorias. Mesmo que não se declare uma culpa direta, é preciso ter a coragem de dizer que “poderíamos ter evitado isso”, para que seja um primeiro passo para tempos mais seguros.

A tragédia de hoje também expôs manifestações lamentáveis de pessoas que não merecem o mínimo do meu respeito. Essas pessoas não só expressam o que há de pior no ser humano, como também provocaram por consequência o que há de pior de mim! Não posso sequer descrever o sentimento e meus desejos mais primitivos despertados por torcedores rivais que usaram esse momento para rir, zombar o clube e os atletas, ofende-los e colocar a rivalidade futebolística acima de qualquer coisa. Esse tipo de gente não goza de minha empatia mais do que um verme seria capaz!

Mas, se de um lado temos motivos que nos fazem acreditar que não existe maior tragédia que a nossa própria sociedade aparentemente carente de civilidade, de outro lado temos exemplos que acordam do coma o que resta de nossa esperança.

Pude assistir manifestações lindíssimas vindas de todo mundo, de clubes e torcedores adversários, de pessoas de todos os tipos, credos e interesses. Vi muita sinceridade nessas demonstrações de carinho e respeito, com um sentimento que de certa maneira nos une em retratos do tempo como pessoas de objetivos em comum.

Uma das cenas mais belas do dia foi a que pude assistir no canal Espn Brasil. O corintiano Solismar Codovar, trajado com a camisa de seu time, levou o filho de 8 anos que é vascaíno e também vestia o uniforme de seu time de coração, ao centro de treinamento do Flamengo para prestar homenagem e fazer uma oração, colocando-se disponível para ajudar no que fosse preciso. O menino de 8 anos treina futebol no CT do Zico, maior ídolo da história do Flamengo. Seu pai disse que não teria treino, e que o treino naquela data seria sobre amor. Temos aqui um grande exemplo de pai, de um filho que posso cravar que não agirá como os vermes mencionados anteriormente no futuro.

Tudo isso nos ensina que temos uma enorme variável de coisas para colhermos frente aos eventos que testemunhamos. O que vamos colher desse trágico evento?

Sei que não posso sentir a dor que a família desses jovens colheram nessa data, mas torço para que a colheita traga frutos de consolo e força, que guardem com alegria os momentos divididos com esses garotos que se foram, e que sempre os mantenham vivos nessas boas lembranças. Aos familiares: meus sentimentos!

Em memória de Christian Esmério; Arthur Vinícius de Barros Silva Freitas; Pablo Henrique da Silva Matos; Bernardo Pisetta; Vitor Isaias; Samuel Thomas Rosa; Athila Paixão; Jorge Eduardo; Gedson Santos; e Rykelmo Viana.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.