O duelo dos chatos: Carnaval e fantasias por Renan Portela

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Eu não gosto de carnaval. Isso pode significar que sou um cara chato, tão chato quanto eu acho que é o carnaval! A única coisa mais ou menos bacaninha são os desfiles das escolas de samba, que aliás, fazem um trabalho admirável, envolvendo suas comunidades num processo de muito sentimento e dedicação. Nessa parte não serei chato de comentar os envolvimentos políticos e financeiros duvidosos de algumas agremiações. Vamos enaltecer o lado mais positivamente humano da coisa!

Porém, confesso que tenho um certo sadismo quando assisto os desfiles, porque a melhor parte é acompanhar a adrenalina e a correria quando algum problema acontece, como quando algum carro quebra no meio da avenida, uma celebridade cai de bunda no chão filmada por 580 câmeras, ou a escola se desespera para conseguir terminar o desfile no tempo adequado. Dá pena quando algo dá errado? Sim, mas é divertido e vale o entretenimento! A apuração também é bacana, pelo ar de competição e a emoção de suspense que antecede cada nota. E já que me chamo Renan Portela, tenho minha preferencia óbvia e narcisista!

Tirando esses pontos, eu gostaria de não precisar sair na rua durante o carnaval, de preferência poder viajar pra um lugar bem isolado, tipo uma cabana no Alasca. Tipo uma cabana no Alasca considerada isolada pela própria população do Alasca, sacou? Ou quem sabe, poder ser congelado e acordar na semana seguinte! Se já me incomoda calçadas lotadas durante o ano e gente escandalosa, o carnaval me é quase uma visão do inferno! Carnaval me lembra cheiro de mijo, música ruim, lixo, multidão, suor, gritaria, gente sem educação e mudanças de personalidade para se adequar ao evento da vez. Ou seja: nada melhor, de fato, para ser o topo da pirâmide de representação da cultura do país!

Ok, já está sentenciado que sou o chato que critica o carnaval, beleza? Deixando registrado que não me incomoda quem curte, apenas gostaria de estar longe, e que não quero acabar com o carnaval de quem gosta. Porém, mesmo sendo o típico chato do carnaval, não sou mais chato do que o pessoal cagador de regra e politicamente correto, que resolveu ditar, nos últimos anos, quais fantasias podem ser usadas para não correr o risco de ser perseguido pela patrulha. Essa turma não se contenta em simplesmente não vestir algo, se julgam que não devem. Eles também querem mudar o mundo e exigir que todos se submetam aos seus caprichos.

Eles acreditam que são mais virtuosos, contra um mundo de pessoas sem coração, e precisam evangelizar os outros! Pior, se deixar, defenderão leis para que o Estado faça valer as suas vontades. Aliás, também vale um artigo sobre a “cultura do processo” que passou a imperar no Brasil, inundando o judiciário de trabalho desnecessário porque criamos uma sociedade sensível demais, enquanto coisas sérias vão ficando de lado. É como o sujeito que deixa de comer carne e se julga moralmente elevado por isso, passando a cobrar dos outros (pessoas ruins) que não comam carne também, num comportamento claramente infantil.

No último ano tivemos bastante destaque de uma matéria do site Catraca Livre, famoso por seu viés progressista na internet e criado pelo jornalista Gilberto Dimenstein. O viés autoritário do vídeo já começa no titulo, sentenciando: Fantasias para não usar no carnaval! Depois disso é mostrado uma sequencia de fantasias que devem ser descartadas e as justificativas dos porquês.

Segundo o material divulgado pelo Catraca Livre, homem não deve se vestir de mulher, porque isso é machista, além de preconceituoso com pessoas trans. Bloco das piranhas, cheio de homem vestido de mulher? Nem pensar! A fantasia de índio também não está permitida, porque constrói o índio de maneira estereotipada, e porque índios são vitimas de genocídio. Se você se veste de índio, conclui-se que no mínimo você odeia índios e colabora com a morte desse povo. Cigano? Não pode, porque ciganos são muito marginalizados e bandanas não representam sua vasta cultura.

Vamos nos vestir apenas com fantasias que retratem grupos socialmente poderosos, não esquecendo da obrigação de representar com exatidão sua cultura. Vestir-se de maneira sexualizada usando profissões para tal fim? Proibido! Iemanjá? Muçulmano? Nega maluca? Jamais! Porém, o Catraca Livre permite, como explicado no vídeo, que você se vista de super-herói, unicórnios e plantas, pelo menos por enquanto.

Em julho do ultimo ano, participando do programa Pânico da Rádio Joven Pan, de maneira surpreendente, tivemos o próprio Gilberto Dimenstein assumindo que seu site errou ao criticar as fantasias. Porém, o Catraca Livre só divulgou uma tendência que já ocorria nas redes e que continua fazendo um certo barulho, seguindo a cartilha comum de ignorar indivíduos, transforma-los em coletivos enfiando-os em uma caixa, e se comportando como representantes dessas pessoas, ampliando assim o já conhecido vitimismo e a cultura da ofensa.

Nesse ano a polêmica já começou, principalmente por conta do sucesso da máscara do ator Fábio Assunção, famoso ator global, dependente de drogas e filiado ao PT, sua droga mais pesada. Importante ressaltar isso, porque o lado politico conta e sempre contou quando o assunto é humor, principalmente no que tange a seletividade moral. Fazer piada sobre Aécio Neves e cocaína é justificável até certo ponto, com raras problematizações progressistas. Aliás, eu quero mais é que se faça piada com os dois!

O papo agora é que usar a máscara do Fábio Assunção é um ato de pessoas sem amor no coração, porque zomba de um assunto sério e, por tabela, ofende todo o conjunto de pessoas que sofrem com a doença da dependência química. Mascaras brincando com a situação do Fábio assunção, refletem o quanto o mundo é cruel e as pessoas não possuem empatia, juram os seres evoluídos de nosso tempo.

Vamos deixar algumas coisas claras?

1- Brincar com algo sério, uma das melhores qualidades do humor, transformando assuntos tensos em sorrisos, não te faz um desgraçado que não é capaz de enxergar a seriedade nos assuntos abordados. Não existe essa falsa dicotomia que diz que ou a pessoa enxerga a seriedade de algo, ou consegue fazer piada sobre isso. Portanto, você pode usar a mascara do Fábio Assunção com a consciência limpa de saber que esse é um tema muito importante, inclusive desejando com muito bom sentimento, que o ator e as pessoas que sofrem com isso, consigam se libertar. Jamais acredite que não brincar com coisa séria faz de alguém mais virtuoso.

2- Fantasias brincam mesmo com esteriótipos, e essa é parte da graça. O que importa não é o esteriótipo em si, mas o valor que você atribui à esse esteriótipo retratado. Hoje é preciso tomar muito cuidado com isso, porque se uma pessoa branca, desavisada e ingênua, super fã do Michael Jordan, se fantasiar do ex-jogador de basquete pintando a pele, será acusada grosseiramente de ser racista. Não importa a intenção embutida, a falta de qualquer sentimento pejorativo em relação à negros, o valor atribuído nessa representação, o fato é que essa pessoa será carimbada como racista, como ofensora de um coletivo enorme de pessoas que sofreram na história. No ápice do sentimentalismo coletivo, pouco importará o individuo, seu tempo presente e sua intenção, o que importa é que, ele será julgado pelo que outras pessoas fizeram no passado, quando escantearam negros na arte, substituindo-os por pessoas brancas pintadas e retratando-os de maneira tosca e/ou abertamente degradante.

Importante dizer que, não estou tratando esse fã do Jordan como um coitadinho. Ele que tenha culhão para vestir-se como bem entender e lidar com isso, expressando suas intenções e não se vitimizando diante do poder de coletivos que tentem fazer com que ele se sinta péssimo. Muito menos quero legitimar esses atos passados, até porque suas premissas eram nojentas e inaceitáveis para mim, já que estou tratando de intenção. Esse foi apenas um exemplo de como o julgamento sentimental contemporâneo, costuma ignorar completamente o real sentido das coisas, principalmente se esse julgamento ofertar a possibilidade de, tornar público, o quanto o julgador se considera um justiceiro dotado das melhores qualidades.

Da mesma forma, a figura retratada costuma atribuir valor à forma como foi retratada, podendo gostar ou não gostar. Por isso, algumas pessoas famosas que são imitadas, por exemplo, amam suas imitações e riem de si mesmo de forma madura, entrando no jogo. Já outras, detestam as imitações, se colocam numa posição de intocáveis, e ameaçam os artistas que os imitam. O imitador costuma estereotipar, exagerar as características marcantes da pessoa imitada, ou até de um povo, quando brinca com sotaques, maneiras, costumes e afins. Tudo isso faz parte da fantasia. Imagine se ninguém mais se fantasiar, ou se pessoas com talento para imitação pararem de imitar, pelo simples risco de alguém poder se sentir ofendido. Eis um mundo preocupante de censura e tensão constante, e de pessoas de péssimo humor. Um mundo incapaz de rir de si mesmo!

3- Outra coisa é que, o sentido da fantasia é justamente o de se vestir de algo que você não é! Não teria muita graça um índio se fantasiar de índio, teria? Embora isso fosse tecnicamente possível, considerando a variedade de povos indígenas, mas não vou chegar tão longe. Assim como não teria muita graça, ou sentido, um homem se fantasiar de homem, ou o Neymar se fantasiar de jogador de futebol, não é? Fora que, provavelmente você não vai se fantasiar de algo que você não gosta e detesta. Só se você for um judeu que resolveu usar uma fantasia de Hitler morto, porém, estará vestindo Hiltler ou celebrando sua morte?

Portanto, pode se fantasiar do que bem entender, atribuindo valores que consideras justo, e da forma com que conseguir fazer isso, porque você é livre! O julgamento alheio, principalmente quando prévio, não pode se sobrepor de imediato ao seu próprio julgamento e intenção!

Se você se fantasiar de algo que ofende um circulo de pessoas, atribuindo a essa fantasia um valor negativo, lide com as consequências do desagrado social. A liberdade de expressão contém, em conjunto, a liberdade de ofender e a responsabilidade de arcar com as possíveis consequências.

Você pode ofender alguém sem querer, mas também pode ofender porque quer e julga que o alvo merece ser ofendido.

Porém, se quer se vestir para brincar, de algo que acha bacana e que não é uma coisa ruim para se vestir (tipo índio, já que índios não são ruins), jamais deixe que pessoas autoritárias ditem o que você pode vestir, baseadas em premissas que você não possui. Saiba que, provavelmente, qualquer coisa que você faça na vida, qualquer opinião que você der, qualquer piada que você faça, em qualquer momento, vai poder ofender alguém.

Se alguém se ofender de maneira direta, lide com o individuo ofendido, fazendo uso do bom senso na relação, sem jamais submeter-se a grupos que afirmam representar um todo ou a verdade, muito menos à figuras que se ofendem por terceiros. Se você se tornar refém da ofensa alheia para guiar a sua vida, com o tempo, você não terá mais vida, ou pelo menos, não terá mais autonomia sobre sua vida, tomado por uma constante fobia de rejeição promovida por ameças de grupinhos tiranos.

Aqui faço uma nota: embora essa cultura da ofensa e patrulha seja característica marcante das vertentes de moderninhos progressistas e da esquerda emo, certos grupos dados como de direita não ficam muito pra trás.

De nada adianta você se dizer um combatente da ditadura do politicamente correto, se no fim das contas age da mesma maneira quando algo te ofende, elegendo o que não pode ser tocado. Isso só te faz um bobo tão cagador de regras quanto, um hipócrita, um adepto do “no dos outros é refresco”.

Você age de maneira hipócrita quando, por exemplo, não gosta de um vídeo do Porta dos Fundos que retrata e faz piada com a sua religião, e começa a “militar” contra o canal, quer entrar na justiça e o escambau, e diz que isso deve ser proibido porque ofende os fiéis (sendo aqui tão coletivista quanto o maior dos esquerdistas), faz protesto e dá chilique, só faltando mijar na foto do Gregório em praça pública.

Você poderia simplesmente deixar com que as pessoas exerçam sua liberdade, inclusive de zombar da sua crença. Com isso você pode passar a boicotar o canal, fechar o vídeo e assistir outra coisa que não te ofenda, ler um livro e seguir sua vida, sem querer que o mundo se molde às suas vontades. Mas não, você quer transformar isso numa causa global e também quer ditar o que as pessoas devem fazer ou achar graça.

Da mesma forma que é, bem contraditório, considerar legal duas lésbicas gostosas com o peito de fora se beijando num filme como o American Pie, mas querer acabar com o mundo porque tem um casal gay na novela das nove que você, por sinal, não é obrigado a assistir, tendo inúmeras outras coisas possíveis na vida para se importar e fazer.

São inúmeros exemplos que você sabe que eu poderia colocar aqui, então aprenda a ser coerente! Aliás, prometo fazer um texto apontando as hipocrisias e idiotices da direita também, porque não falta, considerando que esse tipo de coisa não é exclusivo de um lado politico. Ou você é favorável à liberdade individual e de expressão, ou não é, gostando do que foi expressado ou não!

4- Contra essa tirania do politicamente correto, a melhor maneira é expressar claramente que você não se importa! É preciso parar de dar ibope pra essa patrulha, erro que assumo cometer ao escrever esse texto! É dizer que fará sempre o que julga correto, dentro das intenções que almeja, sendo um individuo livre, não submisso às pressões de pessoas que se pregam evoluídas, se colocam num altar e transformam qualquer coisa num problema para exaltar que são capazes de algum senso critico! É preciso parar de dar poder para essa bolha autoritária, preservando sempre a nossa liberdade, preservando o indivíduo, que é a mais importante minoria, e que é, constantemente e intencionalmente, esquecido pela pregação social coletivista.

Vamos trazer de volta o bom e velho “cada um no seu quadrado”, o bom e velho “cada um arrumando seu quarto”, o bom e velho “o problema é meu”, o bom e velho “cuida da tua vida ou pague minhas contas”.

É muito importante ignorar completamente a cagação de regras que se veste de um sentimentalismo barato e se vende como nobreza, sempre carregado de uma “autoproclamação” moral, de quem diz querer mudar o mundo para melhor, ao mesmo tempo que estabelece o controle social permanente, formatando gerações de pessoas emocionalmente fracas, coisas antagônicas ao objetivo que proclamado. Querem um mundo melhor? Que tal começar parando de encher o saco do coitado do sujeito que quer se fantasiar da tua avó? Já é um começo!

Infelizmente, provavelmente, estarei no Alasca nesse carnaval, sem poder usar a máscara do Fábio Assunção. Você vai usar? Problema seu!

Renan Portela é articulista e escreve no Jornal Gazeta RJ todas as semanas. Sua opinião é expressamente pessoal e não reflete necessariamente a opinião do site e de seu editor, que ressalta a liberdade de expressão e o pluralismo democrático da imprensa brasileira

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