Artigo: A importância de uma coalizão evangélica pelo clima no Brasil de hoje

0

Uma das principais afirmativas como povo evangélico é a de que Cristo é o cabeça da igreja. Um corpo que permaneceu na Terra (Cl 1: 18), em meio a sociedade, para que continuasse o trabalho que ele iniciou.

Para essa narrativa, o texto bíblico nos traz referências que indicam nossa tarefa de sinalizar as características do Reino de Deus (Rm 14: 17), de ser luz que aponta o caminho e denuncia o mal, ser sal (Mt 5: 13, 14) que evidencia o sabor da sociedade, mas também tem características de não permitir o apodrecimento, e segue-se a lista de apontamentos que atribuem as funções deste “Corpo de Cristo” (ICo 3: 9). Esse Corpo ganha um nome singularizado no Novo Testamento. Igreja. O Novo Testamento, é a parte da Bíblia que indica a Nova Aliança, ou seja, o início de uma nova fase da relação de Deus com sua Criação.

Nele, encontram-se as primeiras citações sobre a igreja, “eclésia” ou ekklesía, que tem o sentido de assembleia que se reúne para discutir e encontrar soluções para a Polis, ou mesmo para o meio de convivência comum.

Como dito, essa parte da Bíblia trata de uma nova forma com a qual o Criador passa a se relacionar com a sua Criação, Criação essa, na qual o ser humano está incluído e que a experimenta agora baseada na graça, que é um termo muito caro para o povo evangélico, significando o não merecimento, mas a chegada de Cristo como remição para a situação de afastamento de Deus, causada pelo pecado.
Pois bem, pensando assim, a igreja deve perceber a problemática ao seu redor e oferecer caminhos baseados nesse Reino, que tem por função garantir vida, segundo o texto em Romanos, já mencionado acima, através de suas características, quais sejam: Justiça, Paz e Alegria. Nessa ordem, entendendo que não há alegria onde não há paz e a paz não se estabelece na injustiça.
A partir disso, é importante pensar como chegamos até aqui, e relembrar um pouco a história do evangelicalismo nessas terras.
Assim, a história do evangelicalismo no Brasil remonta ao século XVII, após a chegada do cristianismo por meio dos europeus e suas navegações colonizadoras. Esse cristianismo chega trazendo toda contradição de uma estrutura que herda da filosofia greco-romana um maniqueísmo excludente. Este maniqueísmo continua fazendo até os dias de hoje marginal e demonizando tudo que se mostre diferente, criando inimigos através de polos em disputa.
Empenhando-se em justificar e servir de ferramenta legitimadora para invasão de terras, chacina de populações inteiras de povos nativos e a escravização/opressão dos povos africanos, o cristianismo passa por uma ruptura no século XVII, que vem a ser chamada de Reforma Protestante. Em meio às prévias dessa reforma, que é o berço histórico das igrejas evangélicas – evangelicalismo – e posteriormente de onde brota o movimento pentecostal, continua em franca expansão a partir da máquina da colonização. Mas, mesmo contemporâneas a toda essa brutal realidade, as igrejas históricas, oriundas da reforma, não problematizam a escravização, invasão ou chacinas, quando não as legitimam, salvo algumas exceções. Fato triste da história.
Na sequência desses fatos, que não são poucos, e de tantos, que não cabem neste artigo, desdobra-se outro formato de espiritualidade baseada no cristianismo, no estado chamado Brasil. Este estado, que recebe seu nome a partir da colonização e como referência ao principal produto saqueado pelos europeus, o pau-brasil, dá as bases necessárias para uma forma de teologia de postura violenta, exploradora e legitimadora das explorações. Assim, nessa terra que “em se plantando tudo dá” assistimos, em meados da década de 70, ao nascimento do neopentecostalismo e sua teologia da prosperidade. Bélica e muito mais maniqueísta que o catolicismo romano do século XVI, transforma em inimigo tudo e todo aquele que se posiciona diferente ou em contradição a suas afirmativas e declarações de poder, de riquezas e palavras de ordem que pretendem obrigar o próprio Deus a satisfazer seus desejos mais individualistas. Neste sentido, as culturas indígenas e negras, então, são dos seus principais alvos, julgadas como cultos a demônios.
É certo afirmar que, mesmo em meio a todas essas estruturas citadas até aqui, existam pessoas que caminham em busca do sentido primeiro do que vem a ser Igreja enquanto Corpo de Cristo. Porém, essa postura tão violenta faz lembrar a imposição de ideias pela força, e da condução a partir de uma mão ditatorial. Me refiro aqui ao fascismo de Mussolini na Itália, da década de 1920. Com essa ideia de imposição de força, encontra formas de distorcer o texto bíblico, ao ponto de olhar para Israel como grupo nacionalizado, fundir-se com o ideal de padronização nacionalista à moda brasileira e dar origem ao que se convencionou chamar, nos últimos anos, de cristofascismo. É esse cristofacismo que elege o atual governo em 2018, com uma agenda bem definida de polarização, criação de inimigos e de entreguismo da Natureza, enquanto mercadoria para o capitalismo internacional. E para isso, se vale de estratégias que vão usar a máquina pública de um estado democrático sucateado, para tornar legal a exploração sistemática dos biomas deste território.
Por outro lado, é este mesmo governo, que apoia-se numa leitura triunfalista e mal feita dos textos bíblicos, e, esse tipo de leitura leva muitas igrejas no Brasil a pensarem que a Terra não é nada mais que matéria, e será destruída no fim de tudo pelo fogo. Ou pior, quanto mais cedo tudo se degradar, mais rápido se dará a volta de Jesus. Isso impacta diretamente no modo como as pessoas inseridas nesses espaços veem e se relacionam com as questões climáticas e a agenda ambiental. Assim, faz-se necessário o encontro de uma igreja, Corpo de Cristo, que se reúna em coalizão para uma leitura e interpretação séria, não somente das escrituras bíblicas, mas também do contexto no qual vivemos.
A referida agenda ambiental está completamente ameaçada por queimadas nunca vistas na Amazônia. Danos irreparáveis no Pantanal e a emissão de gases na atmosfera nos colocam como figura carimbada entre os países mais agressivos no processo de mudanças climáticas do mundo. Há ainda, ou como forma de alcançar essa exploração da terra, uma perseguição, que nunca parou, mas que agora se agudiza, sobre os povos indígenas.
O cristofacismo em questão, se utiliza das “missões evangelizadoras” nas aldeias, para disseminar fake news em meio a pandemia do novo coronavírus, fazendo com que as populações indígenas desacreditem na vacina e tenham, como consequência disso, a morte de diversos parentes. O maniqueismo, citado anteriormente, continua sendo ferramenta de demonização da cultura e espiritualidade indígena, ao ponto de causar o linchamento de uma mulher no Mato Grosso do Sul por fazer garrafada (medicamento tradicional com raízes e folhas para tratamento de diversas doenças). Já em Pernambuco, na cidade de Cabrobó, o Pr Jabson desdenhou, e fez chacota, com a espiritualidade do povo Truká – com vídeo e áudio como comprovação do ocorrido – enquanto construía, sem autorização das lideranças Truká, um templo da Assembleia de Deus em território demarcado, configurando, assim, invasão de terra indígena.
É diante de um volume histórico como este, que se faz necessária a existência da Coalizão de Evangélicos Pelo Clima. Enquanto povo evangélico, somos responsáveis por grande parte das atrocidades que se tem causado a Terra, e pedimos perdão. Perdão por não entender o chamado para atuar na Missão de Deus em reconciliar consigo todas as coisas (IICo 5: 18-20). Perdão por tanta morte e opressão de negros e indígenas que viemos, enquanto instituição igreja, legitimando e causando ao longo dos séculos. E nos colocamos aqui para apresentar nossos passos de conversão.
Frente a tanta barbárie, causada pelas missões que tem prestado um verdadeiro desserviço às populações indígenas, vemos a necessidade de integrar uma campanha internacional para barrar o financiamento de instituições internacionais e suas missões nas aldeias indígenas durante o tempo de pandemia porque, para além de disseminar fake news, colabora com a disseminação do vírus entre os parentes. Essa campanha está seguindo em construção e articulação com diversas organizações.
A Coalizão Evangélicos pelo Clima iniciou, recentemente, a construção de uma cartilha direcionada à população indígena que, em seu conteúdo, vem tratando da vacina e a importância de se dar atenção às falas cientificamente embasadas e que implementam a imunização. A cartilha será lançada em idiomas indígenas, para que o povo seja atendido em sua demanda linguística e possa compreender melhor o que a ferramenta propõe. É um modo de reparação, e não imposição da língua colonizadora.
Na mesma direção de apresentar sinais do Reino de Deus, reino esse que aponta que ninguém deve possuir a terra perpetuamente (Lv 25:23) nos posicionamos terminantemente contra a aprovação do Projeto de Lei 510/2021, conhecido como PL de Grilagem, que altera as regras de regularização fundiária de terras da união, permitindo que territórios públicos desmatados se tornem propriedade de quem os ocupou. Isso, numa reflexão simples, permitiria que os grileiros, de forma geral, que já invadem terras indígenas promovendo massacres, possam ter ainda mais liberdade para fazê-lo.
Porém, os problemas que temos de lidar não se encerram aqui. Na semana em que escrevo essas linhas, a Câmara de Deputados aprova o pior texto para o Projeto de Lei nº 3.729/2004, que visa estabelecer a Lei Geral do Licenciamento Ambiental. O texto foi aprovado na Câmara e agora segue para tramitação no Senado. Na cidade de Maceió-AL, a mineradora Braskem promove, há anos, um crime ambiental de proporções colossais, causando tremores de terra totalmente estranhos ao território e o afundamento de ruas inteiras pela exploração do sal gema. Esses são exemplos de uma postura de pecado contra a santidade criadora de Deus e fica para nós uma pergunta: A igreja, corpo de Cristo, que ficou no mundo para continuar dando os sinais do Reino de Deus, ficará de braços cruzados esperando que seja drenada toda a vida na Criação?
Frente a essa pergunta, ficamos com a profecia de Is 54:2, onde Deus chamará homens e mulheres para que se tornem habitadas, novamente, as regiões assoladas e isso se aplica a toda a Criação, pois a vida importa para Deus.

Josias Vieira


Afroindígena
Cristão Evangélicos
Teólogo por Formação e Ecoteólogo por conversão

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.