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Artigo: Jacarezinho – A polícia que mata e o policiamento comunitário como modelo

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Por Thalía Oliveira, pesquisadora de segurança pública


A operação policial mais letal da história do Rio de Janeiro, aconteceu na quinta-feira
(6) na favela do Jacarezinho, Zona Norte do Rio, o que deixou 29 mortos (número atualizado até o momento da publicação do artigo)


Sobre o tema, podemos apontar múltiplas causas para o elevado índice de homicídios no Brasil, que é a ausência do Estado, dando acesso fácil às armas de fogo, à banalização da violência, ao racismo, ao machismo, ao crime organizado, à impunidade e à vulnerabilidade social.


As vítimas desses homicídios possuem um perfil padrão: a maioria é jovem, negro, com
baixa ou nenhuma escolaridade e oriunda de localidades com maior vulnerabilidade social.


Um fato de extrema importância é o impacto das políticas de inclusão social como
forma de redução da violência, para que os indivíduos não recorram ao tráfico de drogas ou entre para o crime, o Estado deve investir em educação, fomento da cultura e melhoria da renda das famílias mais pobres, investindo em emprego e renda, oferecendo cursos livres nas comunidades para que o jovem, que cresce à mercê da criminalidade, possa ter possibilidades de seguir outros caminhos.


Um ponto a ser analisado é que as operações nas favelas devem ser planejadas com
investigação e inteligência, evitando colocar a sociedade e os agentes públicos em perigo.

A ideia de que o caminho a ser seguido no trabalho policial é o confronto, que resulta em um só desfecho: a morte de suspeitos e dos próprios policiais.

Fabiano Rocha/Agência O GLOBO

Mas vale ressaltar que estamos vivendo uma época desastrosa, onde os criminosos
não respeitam mais as forças de segurança, a polícia é recebida na base de tiro, pois a lógica da rua é “matar ou morrer”, o que gera automaticamente um confronto, exigindo o uso da força por parte da mesma pois fica inviável competir com criminosos fortemente armados como por exemplo, um criminoso com uma submetralhadora (apreendida pela Polícia Civil na favela do Jacarezinho), enquanto um policial usa um fuzil .7,62. O armamento policial é
totalmente impotente perto das armas fortemente pesadas dos criminosos.

O uso da força é a forma de garantir a ordem social; mas até onde o uso da força é
legal? Em qual dos pontos se torna violência policial contra as pessoas? A lei dá sustentação para a morte ocorrer, a partir do momento que se baseie no artigo 23 do Código Penal, ao expressar que “em estado de necessidade, em legítima defesa ou em estrito cumprimento do dever legal.”, o último item enquadra a atividade policial.

Mas equivoca-se quem acredita estarem os agentes de segurança pública autorizados a matarem sob o argumento do estrito cumprimento do dever legal, o que tornaria sua ação legítima, excluindo-lhe todo o caráter criminoso (Art. 23, III, do Código Penal).

Não há lei que autorize ou determine ao policial o uso da força letal, pelo contrário, o
uso da força deve ser proporcional, razoável e gradual (Art. 292, Código de Processo Penal).

Mauro Pimentel/AFP


Entretanto, de igual forma, não há lei que obrigue o policial militar ou outro agente a
renunciar ao seu maior bem, que é sua vida. Esta é inviolável, recebendo a chancela do
próprio Estado para que o seu titular adote as medidas cabíveis, moderadas e necessárias para fazer cessar contra si agressão injusta, atual ou iminente (Art. 25, CP- Legítima Defesa).

Por conseguinte, conclui-se que o Estado-polícia não tem o direito de matar, mesmo que sob a justificante do estrito cumprimento do dever legal.

Porém, quando o agente de segurança pública sofrer ataque, ou seja, agressões
injustas – ele não é obrigado a renunciar à própria vida, ainda que sejam militares, sendo-lhe legítimo defendê-la, adotando as medidas necessárias e moderadas, mesmo que isso signifique o óbito do agressor.


Por outra perspectiva, considero que a VIDA é um bem inviolável (caput do artigo 5°
da Constituição Brasileira) e que ninguém possui o direito de tirá-lo, seja quem for essa
pessoa, ela não possui este direito. Vejo como necessária a real necessidade de proteger a vida, seja a minha, a sua ou a de outras pessoas, para que então a ação do Estado-polícia tenha um devido respaldo e seja um auto de resistência e não uma execução, um assassinato.

Ricardo Moraes/REUTERS

O Estado-polícia como garantidor da ordem pública, deve respeitar o Direito e a
dignidade da pessoa humana, onde as passagens na Constituição Federal são inúmeras, uma delas é que: ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante (artigo 5°, inciso III da Constituição Federal). Vale ressaltar o entendimento de Nilo Batista (ex-governador do Rio): “direitos humanos são direitos que toda pessoa humana tem – independente do que seja, tenha, pense ou faça. (…) A ideia principal dos direitos humanos é que toda pessoa tem certos
direitos que o Estado não pode tirar nem deixar de conceder: vida, trabalho, remuneração digna, aposentadoria, instrução, liberdade, manifestação de pensamento, livre associação e
reunião etc. É claro que se um homem pratica um crime – um homicídio, um roubo, um estupro, um furto – ele deve ser processado e julgado. Os documentos dos direitos humanos também preveem isso. Mas não pode ser espancado. Não pode ser torturado. Não pode ser morto. Sua família não pode ser humilhada. Seus vizinhos não podem ser importunados e constrangidos. Casas de inocentes não podem ser vasculhadas. Se aqueles que matam,
assaltam, violentam crianças ou mulheres, furtam não são presos, processados e julgados e condenados, a culpa não é dos direitos humanos. A lei prevê que um acusado que intimida testemunhas, ou que, ficando solto, coloca em perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de terceiros, pode ser preso. Basta a polícia pedir que a Justiça decrete a prisão.


Se o acusado for preso em flagrante, em crimes graves, que não têm fiança, só se for
primário, de bons antecedentes e inofensivo é que a Justiça pode liberá-lo antes do
julgamento. E se for condenado, a lei programa que na penitenciária ele deve ser reeducado e aprender um ofício. Por que nada disso acontece? Por que é tão fácil praticar crimes? Por que tantos crimes são cometidos? Por que muitos daqueles que os praticam não são presos e processados? Por que as penitenciárias são imundas escolas superiores do crime? Culpa dos direitos humanos, culpa dos bandidos ou culpa de instituições que não cumprem com seus
deveres? (…) Propensão para o crime tem é o Estado que permite a carência, a miséria, a
subnutrição e a doença – em suma, que cria a favela e as condições sub-humanas de vida. (…)

Mauro Pimentel/AFP


Perto da culpa do Estado, a do bandido é pequena. E o bandido, a gente ainda consegue prender, processar, julgar e condenar. E o Estado?” Respeitar os direitos humanos, obstando abusos estatais de qualquer ordem, é fundamental, no mesmo que trabalhar em prol da segurança pública, igualmente, é indispensável. Se os direitos humanos são individuais, abrangem todos os indivíduos, inclusive os autores de infrações penais. Por outro lado, a segurança pública é um dever da coletividade, que dispõe de órgãos constituídos justamente para preservá-la, dando suporte a todos.

Um exemplo pode ser dado pela rebelião ocorrida em um presídio, com fuga de
condenados, colocando em risco a ordem pública; nem por isso, os presos rebeldes ficam automaticamente privados de seus direitos individuais. Nem por isso, para resolver o problema, concede-se ao Estado o direito de matar os que ali estiverem causando a desordem.

Cuida-se de assegurar a ordem, sem ferir direitos fundamentais. Pode-se dizer que essa situação é difícil e complexa, o que não se nega, mas compatibiliza-se, na integralidade com o texto constitucional, com o que a lei realmente estabelece.

No meu ponto de vista, o certo é preservar a vida, é prender o infrator, o criminoso,
não usar a força letal para matar. Mas a culpa não é só da polícia, é do sistema, é de cada pessoa que também é usuário de entorpecentes, ou acha mesmo que você usar a sua droga, está tudo bem? Não, quem é usuário também financia o tráfico, também aperta o gatilho da arma quando alguém morre por causa da violência, ninguém está impune nisso e não é só na
favela que existe criminosos, por isso temos o crime de colarinho branco.

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Mas voltando ao uso da força policial, temos em alguns Estados democráticos de
direito, o uso da força pela polícia, que possui a previsão legal e está condicionado a
princípios técnicos e normativos, nacionais e internacionais. No Brasil, a Portaria
Interministerial nº 4.226/2010 estabelece diretrizes para o uso da força pelas polícias, dentre as quais a de que os agentes devem obedecer aos princípios da legalidade, necessidade, proporcionalidade, moderação e conveniência no exercício da atividade policial.

No Rio de Janeiro, existe também diversos protocolos que orientam o uso da força
pela polícia, dentre os parâmetros utilizados para a formatação do método de defesa pessoal do policial militar, por exemplo, destaca-se a necessidade de considerar, na sua autodefesa e no seu dever de defender a outrem, os riscos que a ação pode gerar à vida de terceiros (Instrução Normativa PMERJ/EMG-PM/3 Nº 33, 2015). Este protocolo subscreve também o
uso gradual da força pela polícia, enumerando ações que devem ser adotadas pelos agentes antes do emprego da força letal.

De 2018 a 2021, contabiliza-se o total de 198 policiais mortos no Rio de Janeiro, mas
não vejo protestos em favor da vida do policial, se todos têm direito à vida, cadê o respaldo do militar? a vida do militar também importa, policial também tem família. Mas o uso da força policial é gerada quando um policial é baleado, 20% viram um colega ser morto e mais de 7% dos policiais já haviam sido baleados e feridos ao menos uma vez, a atividade policial
que é baseada no enfrentamento armado à criminosos aumenta o risco de vitimização de pessoas que não têm relação com o conflito.


O uso inapropriado da força letal por parte da polícia pode afetar a confiança nas
instituições policiais, pois o número elevado da letalidade policial no Rio de Janeiro pode
colocar em xeque a confiança que a sociedade deposita nas forças de segurança, em especial na capacidade de as polícias operarem como instituições adequadas ao exercício do controle social, podemos falar do abuso de autoridade, por exemplo: o policial dar um tapa no rosto de
uma pessoa ou o uso da força letal pode ser um problema público a semelhança daquele que deve combater.


Um dos abusos de autoridade também são: a inviolabilidade do lar, Art. 5°, XI CF;
art. 3°, b da Lei 4.898/65 (abuso de autoridade) nos termos do artigo 5º, inciso XI da Constituição Federal, “a casa é o asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou durante o dia, por determinação judicial”, a 6° Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu que os agentes policiais, caso precisem entrar em uma residência
para investigar a ocorrência de crime e não tenham mandado judicial, devem registrar a
autorização do morador em vídeo e áudio, como forma de não deixar dúvidas sobre o seu consentimento. A permissão para o ingresso dos policiais no imóvel também deve ser registrada, sempre que possível, por escrito.

Mauro Pimentel/AFP


O direito à vida, art. 5° caput Constituição Federal: “o direito à vida é o maior bem de
todos nós.” O direito à dignidade, art. 1°, III CF; art. 1°, II, §§ 1° e 2° da Lei 9455/97
(tortura); art. 4°, b Lei 4.898/65 (abuso de autoridade), a dignidade da pessoa humana é um dos princípios fundamentais da humanidade, devendo ser preservada em toda e qualquer tipo de situação, seja ela prisão ou outras formas de confronto. O direito à integridade física, art. 5°, 111 CF; art. 3°, i da Lei 4898/65 (abuso de autoridade); art. 1°, II da Lei 9455/97
(tortura), que diz que ninguém poderá ser vítima de agressão física injustificada por parte de agentes do poder público. E vamos também deixar claro sobre a prisão arbitrária, onde a Constituição Federal, em seu artigo 5°, inciso LXI, determina que ninguém será preso a não ser que tenha sido pego em flagrante delito ou exista uma ordem escrita e fundamentada emitida pelo Juiz competente determinando a prisão daquele indivíduo. Se a prisão ocorrer fora dessas circunstâncias, haverá ilegalidade, como na chamada “prisão para averiguação”.


O crime de abuso de autoridade é o resultado do uso excessivo de poder, praticados de maneira injusta, inadequada e exagerada com a aplicação de violência intensiva contra uma pessoa ou conjunto de várias pessoas. Os casos de agressões cometidas por policiais, na maioria das vezes, não chegam ao conhecimento da Corregedoria da Polícia, devido ao medo
de retaliações. A profissão militar tem como exigência inúmeros sacrifícios, e um deles está incluso o da própria vida, em prol da vida do outro. A morte é uma realidade constante na vida profissional do policial, visto que o mesmo tem que aprender a lidar com a morte de criminosos, das vítimas, dos companheiros de trabalho e também com a sua própria morte.


A corporação não possui condições de trabalho/escalas adequadas, sofre com a falta de efetivo e o policial militar ainda é acarretado por problemas psicológicos, muitos policiais dão baixa por problemas na saúde mental, além do investimento ineficaz que pode aumentar a velocidade do processo de adoecimento dos agentes juntamente com um suposto desvio de
conduta.

O Rio de Janeiro possui um modelo de polícia conhecido como “polícia que mata” e, para mudar esse cenário, o modelo eficaz seria o policiamento comunitário, mas para que isso ocorra, exige uma mudança comportamental de toda a corporação policial, com a base de formação dos policiais reformulada e sendo ministrada de forma mais cidadã, fazendo os mesmos respeitar os direitos fundamentais.

Mauro Pimentel / AFP


O policiamento comunitário é um tipo de policiamento voltado para a prevenção
criminal, e não apenas para o atendimento de ocorrências e investigação criminal e sim que procure promover a integração dos esforços da polícia e da comunidade na tentativa de eliminar as causas da violência, tendo como foco a integração da polícia e da comunidade na definição de prioridades em relação à prevenção criminal e permite a adequação da atuação da polícia às necessidades da comunidade. O policiamento comunitário, pela aproximação entre a polícia e a comunidade, é um tipo de policiamento que permite a melhor administração, resolução de conflitos e problemas na sua origem, que aumenta a segurança e a motivação dos policiais e dos membros da comunidade no enfrentamento da criminalidade.

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