sábado, maio 11, 2024

“O assassino”: Primor estético e psicológico nos frames de David Finscher

Blogs e ColunasColuna Olho Crítico, por Hélio Ricardo Rainho"O assassino": Primor estético e psicológico nos frames de David Finscher

“Meu processo é puramente logístico, estritamente focado pelo design”. A frase do protagonista do filme – sintomaticamente um sujeito indeterminado chamado apenas de “o matador” – bem poderia ser, também, a frase do cineasta David Fincher pra definir seu refinado quebra-cabeças cinematográfico em O Assassino (Netflix, 2023).

O renomado cineasta norte-americano, conhecido por seu estilo visual distinto e narrativas complexas, parece “entregar tudo” nessa adaptação da HQ escrita em 2009 por Matz e ilustrada por Luc Jacamon (agora roteirista do filme ao lado de Alexis Nolent e Andrew Kevin Walker). Em filmes notáveis como “Seven – Os Sete Crimes Capitais”, “Clube da Luta”, “Zodíaco”, “A Rede Social” e “Garota Exemplar” e como produtor executivo na série “Mindhunter”, o trabalho de Fincher prima por uma estética sombria, tramas intrigantes e meticulosa atenção aos detalhes. Sua contribuição para o cinema contemporâneo destaca-se pela abordagem inovadora e pela habilidade em explorar as complexidades da psicologia humana em seus filmes.

 

Dos quadrinhos para as telas, a inusitada transposição de O Assassino

Não é diferente em “O Assassino”, uma história noir brutal, sangrenta e elegante de um assassino profissional que sentencia várias cabeças sem, com isso, deixar de sentenciar também a sua . Ao mergulhar no labirinto psicológico intrigante e instigante de um matador que entra numa crise existencial e passa a traçar um diálogo interior sobre seu ofício letal, Fincher explora de um elaborado roteiro toda a nuance de suspense e teor filosófico da agonia de seu anti-herói.

David Fincher não apenas narra uma história, mas tece uma intricada tapeçaria emocional que desde o inicio do filme parece provocar o expectador por uma quase inércia das cenas, com pouca luz, uma janela avistando um alvo sob a ótica do atirador e uma torrente de pensamentos que transbordam da alma do protagonista como se quisessem provocar quem assiste.

Atormentado por vozes interiores, o matador revela as inquietações da escuridão da condição humana. Em sua peregrinação rumo aos alvos de sua caçada humana, o matador de aluguel embriaga-se de sua própria essência repetindo como mantra ensinamentos enraizados: “Atenha-se ao seu plano. Antecipe, não improvise. Não confie em ninguém. Nunca produza uma vantagem. Lute apenas na batalha que você é pago para lutar”. Frio e impessoal, seu caráter dubiamente pervertido e angustiado revela-se em cada cena cuidadosamente composta: cada enquadramento é deliberadamente escolhido, e a trilha sonora toda pontuada pelo canto melancólico de Morrissey do The Smiths é meticulosamente sincronizada para criar uma experiência cinematográfica profundamente poética e angustiante. E é nessa psicologia do personagem que o ator Michael Fassbender brilha nas sombras do set de filmagem por iluminar o (talvez excessivo) esmero técnico de Fincher com uma dose cavalar de indiferença em seu personagem. E Tilda Swinton – discreta e certeira – também apresenta uma atuação firme como A Expert, outra emblemática persona do hall de exterminadores do filme.

Reflexivo e filosófico: o inquietante matador de Fincher e Fassbender

 

Matar friamente e pensar tanto sobre matar friamente parece contraditório: parece-nos mais confortável acreditar num matador compulsivo e irracional, movido por um instinto animal, do que em alguém que pensa e analisa o próprio ofício. Mais ainda quando filosofa e se angustia, tentando calar a si mesmo para ser quem é. Ou pra convencer quem o assiste de que tem algo dele dentro de si. “O destino é um placebo, o único caminho da vida, aquele que segue você. Se, no breve tempo que todos nós recebemos, você não pode aceitar isso, bem, talvez você não seja um dos poucos. Talvez você seja igual a mim. Um dos muitos” – dirá o ceifador.

É provável que “O Assassino” possa decepcionar os fãs de pancadaria e sanguinolência das franquias de streaming. Mas quem souber apreciar com bons olhos e sensibilidade vai enxergar nessa película uma rica experiência cinematográfica. Mais uma caracterizada por paletas de cores sombrias, iluminação meticulosa e uma busca incessante pela perfeição técnica na filmografia de David Fincher.

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