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Big Brother Brasil 23: A Globo no paredão?!

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Comentarista analisa a edição mais polêmica do reality show e aponta incoerências na postura da emissora

Hélio Ricardo Rainho

Ao contrário do que possa parecer, o Big Brother Brasil não é “mero entretenimento”. Tem um monte de coisas associadas à concepção desse programa. Ele não é “da Globo”: a emissora comprou seus direitos de reprodução de uma empresa holandesa chamada Endemol, para a qual um certo John de Mol criou o reality show em 1999. O título parece original, mas também não é: vem da obra “1984”, romance distópico de 1949 do escritor britânico George Orwell, No livro, o Partido Único – chamado de Grande Irmão (tradução de Big Brother) exerce vigilância absoluta sobre os cidadãos e controla todos os aspectos de suas vidas, usando a mídia para moldar a opinião pública e punir aqueles que expressam ideias diferentes. Orwell usa a metáfora do Big Brother para representar a figura de liderança de um estado totalitário, que não pode ser questionada e cujo pensamento é a lei. Essa figura é um espelhamento das ditaduras, do nazismo, do fascismo, do militarismo e das milícias, que também usam vigilância e poder centralizador para perpetuar seu domínio.

Big Brother, portanto, é analogia é sinônimo de FASCISMO. Tem confinamento, cativeiro, jogo da discórdia, sonegação de informação, imposição de ordens, prova de resistência física, privação de comida e sono, terror psicológico, paredão, incitação ao ódio e eliminação. Tudo naturalizado, romantizado e voltado pra quê?! Pro prêmio final – o dinheiro, o poder, o lucro, o milhão, o capital. Morra de ódio, mas é tudo isso. Não existe “opiniào”: existe esta realidade apenas. Queiramos ou não enxergar, o sol é quente e ilumina. E o Big Brother é isto: a naturalização do nazismo/fascismo debaixo de patrocinadores que maquiam tudo como “jogo”!

Um dos maiores críticos das estruturas de poder e dominação do século passado, Michel Foucault foi um filósofo francês conhecido por sua crítica à vigilância e às formas de poder centralizador. Ele argumentava que o poder era perpetuado através da vigilância e da manipulação da informação. Assim como Foucault, Orwell mostra, na obra 1984de onde sai o termo “Big Brother”, que a vigilância e o poder centralizador são usados para perpetuar a dominação do Partido Único e promover a cultura do medo e da submissão, reforçando a figura do Big Brother como um poderoso líder que não pode ser questionado.

A atual edição do BBB saiu-se desastrosa. Teve relacionamento tóxico abusivo (Bruna e Gabriel, este apenas advertido após ameaçar agredi-la), abuso sexual (Mc Guimê e Sapato abusando da mexicana Dania embriagada numa das festas, ambos expulsos do programa), racismo religioso (Chris e Cowboy depreciando a religião de matriz africana de Fred Nicácio), ofensas raciais pronunciadas sem ter o que duvidar (Bruna chamou Fred de “urubu”, Marvvila de “urublue” ao usar biquíni azul e Sarah de “macaca” ao mandá-la comer banana). E teve uma das cenas mais deploráveis da história dos reality shows na TV brasileira: Bruna Griphao humilhando com berros, palavrões e insultos, dedo em riste e atitude de subjugação, o participante Cezar Black, numa constrangedora exibição, em horário nobre da televisão, do que é o ímpeto racista de um Brasil que insiste em desqualificar pessoas pretas e, ao mesmo tempo, jurar que “não é racista”. Bruna humilha Black e as companheiras apoiam deliberadamente, gritando junto e incorrendo na distorção de que qualquer reação dele seria “machismo”. Isto num momento curioso em que os telejornais do dia divulgaram pro país inteiro a imagem tenebrosa de uma outra mulher loura usando uma coleira de cachorro pra literalmente chibatar um entregador negro na zona sul do Rio de Janeiro.

A Globo JAMAIS conseguiu deixar claro por que condenou tanto a racista do meio da rua enquanto acolheu tão deliberadamente a racista contratada e acolhida dentro de seus estúdios!

Bruna e as colegas sequer foram advertidas da violência que cometeram contra Cezar Black. Como numa cena clássica de racismo recreativo, a emissora usou a tortura pessoal de Black pra “movimentar o jogo”, “animar a audiência”. No dia seguinte, Boninho, o diretor do programa, perguntava em rede social se o público “estava gostando das desérticas”- alcunha das cupinchas de Bruna, do Quarto Deserto, que também participaram da molestação psicológica de Cezar Black.

Nesse cenário grotesco, mais uma podridão reverbera pra depreciar ainda mais a imagem da emissora: a vulnerabilidade aos bots nos dias de votação ao paredão! Bots que são chamados pela emissora, em outros momentos, de “agentes de fake news”, mas que notoriamente a estão destruindo no seu programa diante do país inteiro sem que ela nada faça. Ou está frágil demais, ou está mancomunada. Não há terceira via e as duas são destruidoras do falido “padrão global”. Público e críticos reagem denunciando edições tendenciosas nos dias de paredão e a tal guerra de bots que desencadeia uma inexplicável alavancada no sucesso da participante Amanda, uma personagem fria e apática, inspiradora de memes bocejantes e preguiçosos pelo publico nas redes sociais que, sem nenhuma justificativa, teve míseros percentuais nas votações oficiais, enquanto suas redes sociais subiram enormemente e os adversários de suas aliadas tiveram banhos de votos pra eliminação absolutamente contrários a todas as pesquisas de enquetes que sempre acertaram os resultados em outras edições. A Globo não “melhorou” diante das enquetes das concorrentes: ela piorou e claramente está dominada!

Como que para maquiar toda essa panaceia, as crônicas de Tadeu Schmidt caíram a níveis abissais: textos pobres, de narrativa pífia e apelativa, notoriamente escritos apenas pra sacramentar a incapacidade ou conivência da emissora de evitar a influência tecnológica externa na lisura do resultado dos paredões. Após 23 edições, o programa passa a emular crônicas arrastadas e previsíveis onde as primeiras frases já denotam o eliminado. Numa das piores participações de Tadeu no programa, a crônica de eliminação da Sarah chegou a se apropriar de enorme trecho da letra de um samba do Grupo Fundo De Quintal, soando como tripla atrocidade: intelectual (enxerto pra substituir a debilidade do cronista), psicológica (o grupo tocara a canção na festa anterior e as cenas marcaram a emoção de Sarah durante a execução) e racial (usar versos de uma canção sobre a representatividade negra do samba – “o show tem que continuar” – pra eliminar a participante como quem diz “vá embora, você não pertence mais ao show). Requinte de mau gosto, incompetência e crueldade do Sr. Schmidt! Direção do programa sem nenhum letramento racial!

A eliminação de Domitila no último paredão com quase 60% dos votos, enquanto Amanda teve estranhíssimos 0,74%, foi o estopim de uma crise de credibilidade e competência que a Globo vai capinar sentada pra fingir que não existe. Mas está delineada e é gritante. Personalidades das artes, críticos especializados, veículos de imprensa e uma massa imensa de internautas macetaram e vêm macetando veementemente os resultados e a inconsistência da emissora em reter a onda – associando claramente o programa ao racismo recreativo, à manipulação dos resultados, à parcialidade.

O público já percebeu que a Globo está na vitrine da contradição todos os dias e parece não saber mais resolver isto. Tornou-se moral e institucionalmente ambígua e contraditória. Ela tem uma novela das sete cheia de protagonistas negros e um programa matinal onde uma apresentadora branca atropela as falas de um apresentador negro. Ela ataca as fake news em seus telejornais mas acolhe bots que promovem votação fake no seu reality show. Defende letramento racial e pautas sociais no seu merchandising social mas faz vista grossa pro racismo recreativo servido como entretenimento. O escorregão moral e conceitual da emissora na gestão desses equívocos reitera a percepção de que, hoje, a empresa não tem comando: é regida por um arremedo de núcleos cuja “independência” pra “fazerem o que querem do jeito que querem” é uma bobageira conceitual que culmina num prejuízo de imagem e credibilidade que certamente transcenderá a moralidade e a atingirá no mercadológico.

O Big Brother de Orwell podia ser não menos cruel, mas era definitivamente mais inteligente do que esse que a Globo, o Boninho, o Tadeu e suas megeras “desérticas” nos servem.

Helio Ricardo Rainho é crítico cultural, escritor e pesquisador acadêmico

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