segunda-feira, maio 20, 2024

Rio fecha último manicômio da cidade

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A Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro encerrou hoje (27) as atividades de internação do Instituto Municipal de Assistência à Saúde Juliano Moreira, com a desativação do último núcleo do complexo psiquiátrico, o Franco da Rocha. Com isso, segundo a pasta, o município do Rio de Janeiro conclui o processo de desinstitucionalização de pacientes psiquiátricos, um marco da luta antimanicomial.

Foi com muita emoção e entusiasmo que a artista plástica Patricia Ruth, de 69 anos, ex-interna do Instituto Municipal de Assistência à Saúde (IMAS) Juliano Moreira, fechou o portão do Núcleo Franco da Rocha — o último da antiga colônia a ser desativado – e jogou a chave fora. O ato simbólico marcou o encerramento, nesta quinta-feira, dia 27 de outubro, das atividades de internação na unidade, localizada na região de Jacarepaguá, na Zona Oeste. Com isso, a Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro (SMS-Rio) conclui o processo de desinstitucionalização de pacientes psiquiátricos na cidade, um marco da luta antimanicomial e contra o estigma da loucura no país.

“Eu sou uma sobrevivente. Sofri, chorei, mas estou aqui para o que der e vier. Paraquedas (lençol usado para amarrar usuários) nunca mais. Comida na bandeja nunca mais”, dizia Patricia, que foi internada nos anos 70, aos 16 anos, e chegou a viver sete anos no Franco da Rocha: “Hoje eu moro em uma casinha simples aqui perto, que comprei com o dinheiro da minha arte, mas agora eu sou vista, vivo a minha vida, meu mundo ganhou cor.”

Conhecido pelo antigo nome de Colônia Juliano Moreira, o complexo psiquiátrico chegou a abrigar, em seu auge, 5.300 internos em seus 79 hospitais e pavilhões, desativados gradativamente ao longo dos anos. Assim como outros imóveis do antigo hospício municipalizado em 1996, que foram transformados, por exemplo, em unidades municipais de saúde e habitacionais. Na nota a Prefeitura do Rio diz que já estuda nova finalidade para o último pavilhão fechado, que deverá abrigar projeto de saúde mental.

A cerimônia de encerramento das atividades de internação do Instituto Juliano Moreira contou com homenagens a funcionários e ex-funcionários da unidade, apresentação de jogral e cortejo do Bloco Império Colonial, formado por ex-internos.

“Não tem como a gente não se emocionar. Eu entrei na Secretaria Municipal de Saúde como subsecretário de Atenção Primária e nunca imaginei que viveríamos o que estamos vivendo aqui hoje. Este é um marco na história da cidade do Rio de Janeiro, é um marco na história da saúde mental do município, do estado e certamente na saúde mental do Brasil”, afirmou o secretário municipal de Saúde, Daniel Soranz.

Superintendente de Saúde Mental da SMS-Rio, o psiquiatra Hugo Fagundes também destacou a importância histórica da data: “Com o fechamento desse último núcleo, de fato, conseguimos criar um Rio sem manicômios, e isso é muito importante. A população, hoje, consegue entender que lugar de ‘louco’ não é no hospício. Lugar de humanos é na sociedade, e a gente precisa cuidar desses pacientes com toda diversidade, com toda riqueza humana em sua multiplicidade de cores, de origens, de culturas, de gêneros, de experiências de vida. As pessoas se empobrecem em locais de confinamento, são locais de muito sofrimento.”

Para viabilizar o fim das internações, foram criadas condições para que os usuários pudessem retornar ao convívio familiar, morar sozinhos ou ter alta para serviço residencial terapêutico. A mudança visa o resgate da cidadania e da identidade de pessoas como Marcelo Pereira da Fonseca, de 51 anos, e José Edmilson Ferreira dos Santos, de 54, os últimos pacientes a terem alta do Franco da Rocha, na última sexta-feira, dia 21. Recebidos com muitas boas-vindas na nova casa, na Ilha do Governador, pela equipe do CAPS II Ernesto Nazareth, agora eles podem desfrutar do cuidado em liberdade.

“Agora eles vão poder viver. Vão poder dizer o que querem comer, escolher o que fazer, ser eles. Coisas que podem parecer muito simples, mas são gigantescas para eles. Fico muito emocionado em participar disso”, descreveu o cuidador plantonista Leandro do Nascimento Pinto, de 35 anos.

Reinseridos no território, os moradores continuam recebendo todo o suporte de profissionais da rede, como psicólogos e assistentes sociais vinculados aos CAPS, sempre em busca de atividades terapêuticas que ampliem a sua autonomia e socialização, além de cobertura da estratégia de saúde da família para cuidado clínico. Atualmente, a rede municipal de Atenção Psicossocial é formada por 33 CAPS e 97 residências terapêuticas distribuídas pela cidade, com 546 pessoas vivendo nelas, além de unidades de acolhimento adulto (UAA) e centros de convivência. Para pacientes com quadro agudo, há leitos disponíveis na rede de urgência, em hospitais gerais e no Instituto Philippe Pinel, em Botafogo, onde eles poderão ser cuidados até terem condição de alta.

História e ressignificação do espaço

Inaugurada há 98 anos, em antigas terras coloniais do engenho de cana e fubá, a antiga colônia recebeu em 1935 o nome de seu idealizador, o médico psiquiatra Juliano Moreira, fundador da disciplina de Psiquiatria no Brasil. Ao longo dos anos, com a redução gradativa no número de internos, muitos imóveis do antigo complexo foram transformados em unidades municipais de saúde e de assistência social, entre elas um hospital de clínica médica, clínica da família, CAPS e residência terapêutica de alta complexidade, além de unidades habitacionais e de ensino. Com o crescimento populacional na área, hoje ela é conhecida como o sub-bairro Colônia (Jacarepaguá). Na sede do Instituto Juliano Moreira funciona ainda hoje o Museu Bispo do Rosário, que homenageia um de seus internos mais famosos. Além de obras de arte, estão expostos equipamentos de eletrochoque e de lobotomia e fotografias de época, que rememoram os horrores da estratégia manicomial.

Segundo o superintendente de Saúde Mental da Secretaria, Hugo Fagundes, a rede municipal dá um passo importante com o fechamento do manicômio federal que foi municipalizado no final dos anos 1990. O médico psiquiatra disse que, atualmente, as 567 pessoas atendidas vivem em 97 residências terapêuticas pela cidade do Rio.

“São pessoas que viveram 40, 50 anos internadas. A gente, de fato, consegue virar essa página e construir no século 21 um Rio sem manicômios”, disse o superintendente. “Hoje estamos completando um ciclo importante na história da reforma psiquiátrica do Rio. A ideia é ter um Sistema Único de Saúde forte capaz de oferecer para as pessoas a melhor qualidade de vida e a integração na vida social da cidade”.

Fotos: Edu Papos/Prefeitura

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