segunda-feira, maio 20, 2024

“Conhecer a história é um ato de cidadania”, André Luis Mansur

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Falar sobre cidadania em um ambiente de história pode soar estranho para algumas pessoas, pois é comum aprendermos apenas sobre o conceito tradicional do termo, dos direitos e deveres, mas ao ampliarmos a visão do SER CIDADÃO entendemos que ela também está atrelada à valorização da memória cultural e afetiva do estado, sabendo que as interferências do homem podem apagar por completo fragmentos importantes de conhecimento para as gerações futuras.

O processo de valorização pode ocorrer de formas distintas, uma delas é através do resgate histórico e de sua divulgação e é exatamente isso que o jornalista André Luis Mansur vem fazendo há anos. O escritor tem 15 livros publicados, a maioria sobre a história da cidade do Rio de Janeiro, e em novembro deste ano lançou o volume II do “Fragmentos do Rio Antigo”, uma continuidade ao trabalho iniciado com o pesquisador Ronaldo Morais, falecido em 2015, um ano após o lançamento do primeiro volume da publicação.

O livro é dividido em 26 capítulos e 110 imagens e retrata alguns locais que já foram visitados por esta colunista, como o Forte do Leme e a Fazenda Arcozelo, além de outros que foram reformados, descaracterizados ou até tiveram a sua visitação impossibilitada.

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André mostra com clareza e de forma bem objetiva a importância de cada monumento na construção da memória cultural do estado, mas também fala sobre pertencimento. Para o autor, quando a população conhece a história do bairro onde reside ela cria um laço de identificação com o local tão necessária nos dias de hoje.

Confira abaixo a entrevista realizada com André Mansur e um pouco mais sobre o processo de criação do livro.

 

Ninguém ama o que não conhece e um povo que não conhece o seu passado é um povo sem referências, facilmente manipulável.

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Flávia Ferreira: Quem é André Luis Mansur como você se descreve?

André Mansur: Sou um jornalista e escritor apaixonado pela história desta cidade e que procura valorizar, principalmente, os subúrbios cariocas, sempre desvalorizados e sofrendo preconceitos ao longo dos tempos.

FF: De onde surgiu a ideia de produzir o livro Fragmentos do Rio Antigo e como foi a construção do segundo volume lançado este ano?

AM: Surgiu da amizade com Ronaldo Morais, que conheci em 2009. Ele era um médico paraibano que veio morar no Rio de Janeiro ainda bem jovem e acabou se apaixonando pela história da cidade. Dos anos 70 em diante, ele e um grupo de amigos saíam para tirar fotos do que eles achavam importante historicamente.

Quando o conheci, fiquei fascinado com o acervo de fotos dele e sugeri de as usarmos em livros. Fizemos 4 livros juntos, entre eles o Fragmentos do Rio Antigo. O Ronaldo morava aqui em Campo Grande com a Fátima, sua esposa. Antes eles moravam no Méier. Infelizmente ele faleceu em 2015, mas eu prometi que daria continuidade aos Fragmentos (Fragmentos do Rio Antigo), daí a publicação do segundo volume com as fotos dele, mas no qual incluí também algumas fotos minhas.

FF: Alguns monumentos retratados nos volumes não podem ser visitados pela população geral. Você acredita que com o empoderamento da sociedade perante a esses pontos haveria maior valorização?

AM Acredito que hoje há uma preocupação maior da população em relação a esses monumentos, mas ainda estamos longe do ideal. O risco de desabamento é grande, assim como a pressão de muitas construtoras, que querem a liberação dos espaços para seus empreendimentos.

A Fazenda do Padre Correia é um dos temas de FRAGMENTOS DO RIO ANTIGO – VOLUME II

FF: Como foi fazer a pesquisa histórica dos pontos abordados no livro?

AM: Foi mais difícil, pois não contava mais com o meu amigo Ronaldo, pois a gente trabalhava de forma muito harmônica. Além disso, eu sempre estou escrevendo outros livros e tenho as atividades ligadas à literatura, como aulas, oficinas, palestras, comercialização dos livros etc. O trabalho durou 3 anos, mas, mesmo sendo complicado algumas vezes, é sempre prazeroso.

FF: Você acredita que além de uma publicação de curiosidades histórica, o livro é também um produto de valorização histórico-social? Qual a essência do livro? 

AM: Sempre digo que conhecer a história é um ato de cidadania. Como você vai fazer reivindicações para melhorias no seu bairro, se você nem conhece como o seu bairro de formou, qual o perfil de ocupação dele etc? Além disso, o conhecimento da história aumenta os laços de identificação do morador com “o seu lugar”, tanto os moradores antigos quando os que chegam de outros bairros.

FF: Me conte algumas curiosidades que você não pode colocar no livro e por quê? 

AM: Na verdade, tudo o que eu quis colocar está lá. Procuro, além de contar a história daquele monumento, ou daquele personagem, incluir também dados mais leves, curiosidades, tudo o que possa enriquecer o texto, claro, respeitando sempre a credibilidade das informações obtidas.

FF: Como você descreve, enquanto admirador da história antiga do Rio de Janeiro, a atual situação dos monumentos da cidade? 

AM: Infelizmente, neste momento, boa parte dos nossos monumentos está degradado. Há muitos roubos de peças para se vender em ferros velhos, por exemplo. A estátua do General Osório, na Praça XV, é um bom exemplo: a grade em volta e partes do monumento foram todas roubadas. E estamos falando de um monumento no Centro da cidade! Aqui em Campo Grande, roubaram a placa e a efígie do monumento ao botânico Freire Alemão em 2017. Até hoje não foram repostas.

Fragmentos do Rio Antigo, Volume I e II

FF: Se você tivesse o poder de mudar alguma coisa hoje, sempre falando da parte de monumentos históricos da cidade, o que você faria e por quê? 

AM: Eu trabalharia pela identificação desses monumentos, contando um pouco da história deles em placas ao lado dos monumentos, principalmente nos subúrbios, onde se carece muito desse tipo de informação. Os marcos imperiais, por exemplo, estão lá isolados, quase sempre pichados, sem nada que os identifique. São de 1826 e eram referências importantes da Estrada Real de Santa Cruz. Eram onze, mas só sobraram cinco.

FF: Se você tivesse que fazer um apelo para toda sociedade, qual seria e qual mensagem o seu livro deixa para todos nós?

AM: Procurem conhecer a nossa história, mas não só a história da cidade, dos grandes monumentos e personagens, mas a da sua rua, do seu bairro, das suas praças, só assim a gente pode melhorar as nossas reivindicações. Ninguém ama o que não conhece e um povo que não conhece o seu passado é um povo sem referências, facilmente manipulável.

FF: Fale um pouco sobre os próximos volumes e projetos. 

AM: Eu ainda tenho mais de 200 fotos do Ronaldo comigo, pretendo fazer mais uns dois volumes da série Fragmentos do Rio Antigo. Também pretendo fazer o volume II do Violência no Rio Antigo, outro livro que fizemos juntos. Ronaldo deixou um bom material de pesquisa pronto sobre este tema. Além disso, estou sempre pesquisando sobre a história da Zona Oeste, tema que eu, inclusive, utilizo em um curso livre aqui em Campo Grande, no Ideias – Espaço Criativo. Também pretendo escrever mais livros de ficção nos próximos anos.

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