quarta-feira, maio 8, 2024

Coluna do Araujo: Enredo da pandemia: “Aglomerar ou não, eis a questão”

Blogs e ColunasColuna do Alexandre AraújoColuna do Araujo: Enredo da pandemia: "Aglomerar ou não, eis a questão"

Teremos carnaval? Essa é a pergunta mais ouvida nas discussões sobre os rumos da folia. Acho que ninguém ainda tem condições de cravar se as escolas estarão na avenida em 2021. Muitas já se manifestaram e disseram que só desfilarão se houver vacina. Será? A própria LIESA, através do presidente Jorge Castanheira, se posicionou e disse que é hora de esperar uma resposta da ciência para tomar uma decisão. Acredito que tanto a Liga como as Escolas de Samba estão numa tremenda encruzilhada. É evidente que nenhum dirigente quer expor seu componente, a epidemia não foi controlada e há o risco de contaminação com qualquer tipo de aglomeração. Imagina numa festa como o carnaval.

As agremiações estão realmente preocupadas com a saúde dos seus componentes, mas também há uma pressão econômica e política para que o festejo seja realizado. Apesar de garantirem que só desfilarão com o surgimento de uma vacina, sinceramente eu não acredito no que é acertado fora das quatro linhas pelos que comandam o carnaval. Não vale o que está escrito, meus amigos. É só a gente voltar no tempo e rever as decisões sobre as mudanças no regulamento, as viradas de mesa. É claro que não há comparação entre reviravolta no resultado de um desfile com a impossibilidade de se desfilar por conta da pandemia. São duas decisões distintas, mas que merecem uma observação mais próxima.

É aí que entram muitas outras perguntas, nobre folião. Até quando as escolas terão fôlego financeiro? Bom, vamos falar de negócio imaginando um cenário sem vacina.

Há a possibilidade de o carnaval ser cancelado ou adiado? É possível, mas…. Hoje, as escolas precisam de receitas para manter seus funcionários, pagar fornecedores, quitar dívidas, contratar reforços. Os patrocínios estão minguados, a TV só vai pagar a conta se o produto for exibido, as quadras estão fechadas e as escolas não arrecadam com ensaios. Claro que ainda existem os “mecenas” que podem fazer com que haja o desfile. Talvez, se realizado em fevereiro teríamos uma disparidade muito grande entre uma e outra escola. A disputa não seria em pé de igualdade, fato. Por isso, defendo a anulação do julgamento. Seria mais justo.

A economia que gira em torno do carnaval está praticamente parada, direta e indiretamente. Costureiras, artesão, escultores, artistas, aqueles que vivem exclusivamente da festa vivem a agonia da espera. Muita gente vive do trabalho temporário, dos barracões produzindo a todo vapor. Os fornecedores de matérias estão à espera de respostas. A corda está no pescoço tanto para o patrão quanto para o empregado, terceirizados e todo o entorno que depende financeiramente do espetáculo. Essa pressão pode fazer com que as pessoas mudem de opinião e passem a defender a volta do carnaval a qualquer preço. E que preço! A roda vai precisar girar, é inegável. Músicos, cantores, estúdio, produtoras estão começando a se mover, sair da inércia com as disputas de samba e as lives das escolas. É uma forma de movimentar a comunidade, atrair seguidores paras suas redes sociais e buscar novos parceiros comerciais. Mas lives não desfiles. Acredito que haja um protocolo de segurança para que sejam feitas, algo inviável quando se pensa em Sambódromo, por exemplo.

A maior celebração do planeta movimenta a economia da cidade, atraindo milhares de turistas todos os anos. Vamos a mais um ponto do nosso debate. O Rio de Janeiro começou sua reabertura, embora muita gente questione se não foi cedo demais. O fato é que bares, restaurantes estão correndo atrás de lucro, afinal de contas correr atrás do prejuízo ninguém quer. Dá para imaginar a realização de um desfile sem a presença dos turistas na cidade? Num cenário ideal, sim. Seria a celebração do povo, mas o povo já está fora da jogada, deu lugar arquibancada para o turista desfilar.

Teremos uma pressão da rede hoteleira, das agências de turismo, de todos os setores diretamente ligados a economia do carnaval? Sim, teremos. Aí entra mais um ponto pra nossa discussão: a agenda política. Em novembro próximo teremos eleições municipais e um novo ou velho prefeito será eleito. E todos nós sabemos que cada candidato tem seu estandarte. Tem ex-prefeito folião e tem o inimigo do carnaval. Cada um vai levantar sua bandeira em busca de votos. Acho que é pura ilusão do sambista pensar que estão preocupados de fato com a saúde pública. Tá na hora de tomar partido, agradar a gregos e desagradar troianos.

Um outro ponto relevante para gente refletir: a importância da festa para a cidade. Não falo sobre o aspecto cultural, que sequer merece qualquer tipo de discussão. No entanto, se houver pressão para a volta dos desfiles como uma vacina para a falência da cidade, muita gente cairá de cama doente de contradição. “Não acho justo dinheiro público destinado a uma festa pagã”, mas se for para bem geral da nação…

O fato é que a discussão sobre a volta do carnaval vai muito além da questão da saúde. Há inúmeros interesses em torno dessa difícil decisão. Política, economia, turismo, televisão, saúde financeira das escolas e desemprego no setor. O próprio Ministério Público pode entrar em ação se achar que não é o momesco, ou melhor, o momento para o evento acontecer. Temos que aguardar os próximos capítulos desse enredo, por enquanto apenas com máscara de proteção e álcool em gel, como disse o carnavalesco Leandro Vieira. Aglomerar ou não eis a questão, meu caro leitor.

Check out our other content

Check out other tags:

Most Popular Articles